A Preciosidade do Tempo
Cheguei à conclusão de que gosto de gente que anda na contramão da História. Não me considero uma pessoa nostálgica, muito pelo contrário... Mas não gosto da velocidade que o hoje nos impõe... Ela rouba um dos bens mais preciosos da vida: o tempo.
No consultório da Lagoa trabalho sozinha. Precisava chegar uma hora mais cedo para varrer, tirar a poeira dos móveis, passar um pano no chão, organizar o local. Entre almoçar e deixar a filha na escola acabei gastando meia hora a mais do que o previsto. Cheguei correndo, esbaforida. Mal estacionei o carro, abri o porta-malas para tirar os equipamentos de trabalho e o poeta veio conversar comigo:
- Minha querido poetisa, como vai? E aí, quando vais publicar o primeiro livro?
Não tenho pretensão nenhuma de publicar um livro... Escrevo por prazer... E pra consumo próprio... A tecnologia me possibilita compartilhar minha produção com amigos próximos e distantes... Escrevo como brincadeira... Além do mais a maioria dos grandes poetas só recebe a devida importância depois da morte... Prefiro curtir a vida... Quando eu desembarcar da existência terrestre os que ficarem que colham os louros da minha poesia... Mas gosto de me deixar levar pela conversa deste velho menino:
- Olha que estás me convencendo, hein? Estou me encorajando, qualquer hora eu publico...
- Isso, publica sim! Eu te empresto o nome da minha editora: Delos! Sabes o que significa Delos?
- Não...
- Delos era uma ilha flutuante, onde a deusa Leto deu à luz aos gêmeos Apolo e Ártemis, filhos de Zeus. Delos está no arquipélago das Cíclades, na Grécia. Parou de flutuar justamente para que o trabalho de parto pudesse acontecer. Leto era perseguida por Hera, a esposa legítima de Zeus.
Ele é apaixonado por mitologia, tema recorrente em seus poemas. Não entendo quase nada disso, gosto da poesia mais popular, com palavras cotidianas, linguagem simples: Mario Quintana, Cecília Meireles, Manoel de Barros, Roseana Murray... Mas fico comovida com o poeta que anda na contramão: aos setenta e dois anos é avesso à tecnologia, não usa internet, escreve à mão e anda pelas ruas da Lagoa da Conceição com os livros embaixo do braço observando as pessoas a procura de possíveis leitores sensíveis à poesia...
Fiquei ali escutando a história da ilha flutuante... O tempo passando... O trabalho podia esperar... A limpeza da sala não era tão importante assim... Afinal a preciosidade do tempo está justamente nas coisas que o dinheiro não pode comprar!