Prólogo
AMAZÔNIA - 2005
- Quando volto pra casa? – pensava o sargento Denis Muller, sentado com as costas apoiadas numa arvore, apenas sob a luz da lua.
Há muito tinha saído de casa. Filho único, sua mãe faleceu no dia em que ele fizera nove anos e ele nunca conseguira esquecer a cena. Um passat verde, estacionado em local proibido, arrancou quando o motorista viu o guarda de trânsito correndo para multá-lo e nessa ação, arrancou junto a vida de dona Maria do Carmo. Denis viu a caixa do presente rasgar no chão, quebrando seu rifle d`água que ele demorou tanto pra escolher...
- E o filho da puta nem ofereceu socorro – pensou, com olhos frios apertando o FAL (Fuzil Automático leve) entre os dedos.
Lembrou da mãe no hospital, teve fratura craniana e não sobreviveu à cirurgia, o pai colocou a mão em seus ombros e sequer o abraçou. Só 3 palavras: Vamos pra casa. Lembrou quando completou seus 18 anos e entrou para o batalhão de pára-quedistas do exército, faltando 2 meses para completar seus 20, seu pai falecera, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Denis estava louco para voltar pra casa, mostrar para seu pai a medalha que ganhara, mas depois daquele telefonema... sua família passou a ser o exército: foi designado para um batalhão de infantaria no nordeste, devido á sua capacidade e competência facilmente foi notado por seus superiores e indicado á ingressar no CIGS: o curso intensivo de guerra na selva. E esse era o encerramento, após 2 meses e meio o infernos estava acabando... o problema é que nunca se sabe que está no encerramento do curso.
Lembrou-se das instruções do sargento Moura - Vocês têm 10 dias pra chegar ao ponto de encontro! Levarão ração pra sete dias, ao passar das 7 horas da manhã do décimo primeiro dia, serão dados como mortos e suas famílias informadas do óbito.
- Que família? – pensou.
Denis acordou de suas lembranças, ouvira um ruído de folhas. Olhou para seus dois companheiros, Flávio e Ângelo, completamente apagados pelo cansaço. Levantou-se devagar, engatilhou o fuzil. –Se for uma onça eu to ferrado! – Olhou para a faca na bota, enfrentar uma onça com a faca era melhor do que com o fuzil caso ela estivesse muito próxima para dar o bote. Saiu de trás da árvore. Ajoelhou-se, mirou no nada -Não tem nada aqui merda! – falou pros seus botões. Ouviu um barulho atrás de si. Virou-se rapidamente.
- Desperta! Desperta desgraciados! – Gritava um dos quatro homens que chegavam pelo outro lado, correndo e portando rifles AK-47. Flávio e Ângelo acordaram num pulo. Flávio ainda teve a reação de alcançar o FAL, mas recebeu um chute no estômago e soltou a arma se contorcendo.
- Merda! - Pensou Denis – os filhos da puta da FARC!
Permaneceu ajoelhado, mirou em um dos homens, queria atingir entre as costelas, no coração, rapidamente calculou a distancia para atingir o segundo. Pôs o dedo no gatilho, o homem não sobreviveria... puxou e nem conferiu, sabia que tinha acertado, mirou no esterno do outro que não sabia o que se passava e puxou novamente. Os dois caíram num baque violento para trás.
Procurava os outros dois, não tinha visão, levantou-se para trocar de posição, mas assim que ficou de pé se viu frente a frente com outro colombiano, o que havia feito o ruído e chamado sua atenção.
-Solta. – disse um guerrilheiro com sotaque brasileiro apontando a AK-47 entre os olhos de Denis.
- Por que não nos mataram? – pensava Denis o tempo todo - eu matei dois dos deles e eles nos deixaram vivos?!
Não conseguia ver nada, tinham sido completamente desarmados, amarrados em fila indiana e estavam vendados. Um dos homens mortos estava sendo carregado por Denis, em cima de seus ombros, o outro por Flávio, que era o mais forte dentre os três.
A caminhada começara á quase meia hora, o corpo dos guerrilheiros começava a pesar nos ombros dos dois. Denis sentia o sangue quente do colombiano escorrer entre seus ombros, o cheiro estava forte.
Poucos sabem o estrago que um FAL pode fazer quando atinge o peito de um homem: um pequeno furo por onde entra, um grande rombo por onde sai.
A floresta á noite é um lugar silencioso, pelo menos, em condições normais, você quase não ouve ruídos, apenas corujas e outros pássaros, mas com os olhos vendados Denis percebeu que a floresta é um lugar tão movimentado á noite quanto de dia, barulho de macacos é freqüente, cobras também, tentou esperar as passadas de uma onça, mas era em vão, havia aprendido que os animais têm mais medo das pessoas, que as pessoas deles, e havia aprendido isso entrando em um rio cheio de jacarés.
Parem! - Falou o brasileiro - Não tirem as vendas até que eu ordene!
- É agora que vamos morrer, cara! Eu não quero morrer! - falou Ângelo baixinho sem saber se seus amigos o escutaram.
Cada segundo parecia uma eternidade.
Ninguém sabia quanto tempo havia passado, talvez dois minutos, talvez cinco, Ângelo esperava ouvir barulhos de tiro á qualquer momento, endureceu a barriga, como se isso fizesse as balas pararem. Flávio sentiu náuseas. Denis pensou em sua mãe.
- Tirem as vendas! – disse o brasileiro
Eles obedeceram, tiraram rapidamente as vendas. Estava tudo girando para Ângelo, Flávio e Denis estavam confusos. Olharam em volta, estavam em uma clareira feita pela queda de um avião, Denis reconhecia aquela clareira, era muito utilizada pelo CIGS para passar instruções, estavam cercados por tochas. Barulhos de tiros de fuzil e morteiros quebraram o silêncio. Eles se entreolharam, sem dizer uma palavra. Ângelo foi o primeiro dos três a entender o que se passava, do meio das árvores saiu Tamires, a esposa de Ângelo e os pais de Flávio. Era o fim do curso. Foi uma choradeira grande, Ângelo beijava desesperadamente sua esposa, eram um casal novo, Ângelo tinha 26 anos e a Tamires aparentava ter uns 19. Os pais de Flávio estavam muito contentes, a mãe, uma senhora de pouco mais de um metro e meio abraçava o filho de quase dois metros de puro músculo e chorava dizendo: meu bebê, meu bebê! O pai ria e dava tapas com olhos de orgulho. E nessa hora Denis pensou: - E o que eu vou fazer agora?