pós moderno

Devem se ter passado bem umas duas horas de quando Alice me veio cutucar. Não, três. O espaço dela me serve para esfregar as pernas sem calças nos lençóis. Um deleite. O sol já vaza forte pelas cortinas, cegando minhas tentativas de espiar o quarto. Hoje não vou trabalhar que aquilo não é coisa para mim. O aroma de café em garrafa térmica, os tremeliques do ar condicionado, as faces murchas das quatro da tarde, os teclados e dedos nervosos.

Eu, hoje, quero andar por aí, tal qual o homem que eu era quando solteiro. Vou meter-me em qualquer livraria grande, aquela do Conjunto Nacional. Olhar as pessoas de perto e mirá-las de longe, fuçar os livros todos, ler umas oito páginas de cada. Comprar. Depois, inda me perco em qualquer rua de praça, esses lugares no redor da Vila Madalena. Há, por lá, arte nas paredes, jovens pelas ruas e um gosto que pega pela boca da gente, pelo ar, na mente. Ouvi dizer de uma passeata contra a corrupção na Paulista. Estarei presente, que já me basta de aturar toda essa situação. É essa direita vergonhosa fixada ao governo. Paulistano não sabe o que faz.

Semana passada, comprei duas gravatas e um novo perfume. Alice disse que pareço outro, com outro cheiro. Fez mau gosto das gravatas. Deixe estar que, qualquer dia, inda me desfaço de todas elas. Vou dar pra escritor, como me bate à cabeça vez ou outra. Ela tem razão, com outro cheiro, sou outro. O psicanalista sempre diz que meu subconsciente revela desejos reprimidos. Desejos que precisam ser atendidos de um ou de outro jeito.

De menino, sempre tive mania de me botar por baixo da cama com uma lanterna em punho. Levava cadernos, figurinhas, carrinhos, essas coisas que eram só minhas, pro canto que era só meu. E hoje eu imploro por aquela cama. Quero algo de meu além do biombo do escritório e do lado esquerdo da cama. Um lugar em que eu finalmente possa ler os livros que – segundo Alice – estão a acumular pó nas estantes da sala. Um lugar em que não me olhem como se eu estivesse a ouvir samba em fone de ouvido, pensando em algo que não se tem na cabeça de mais ninguém.

Dia desses, vi, nalgum lugar, que Ana Laura casou-se. Que besteira, perder-se uma cabecinha daquelas com isso de matrimônio. Ainda com igreja e tudo! E como eu gostava de vê-la contando das aulas de artes, sua voz em tom excitado. Por como falava, era bem mais bonito que de fato havia de ser. Sempre me fez gosto conhecer as coisas, assim, pela boca dela.

Do jornalismo literário. Ah, o homem pós moderno. Não sabe se isso, se aquilo, mas TOTALMENTE. Veste bem a camisa, mas feito calcinha: uma pra cada dia.

Adriana Campos K
Enviado por Adriana Campos K em 14/03/2013
Reeditado em 14/03/2013
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