Receios sobre Rute

Quando publiquei o conto Algo errado com Rute, fiquei perguntando se os leitores não reagiriam negativamente ao ler a história de uma menina em tenra idade capaz de fazer maldades de forma fria. Achei que as pessoas não achariam verossímil ver uma criança perversa porque, normalmente, gostamos de imaginar as crianças como anjos, ainda que isto não corresponda à realidade. Crianças nem sempre são anjos de candura e, por isso mesmo, necessitam que os adultos lhes imponham limites. Outro fator presente no conto que achei que poderia despertar reações negativas foi a permissividade dos pais de Rute, a menina malvada, que a mimam em demasia e não a punem por importunar Maria, sua irmã mais velha que, vítima constante das suas provocações, não é socorrida pelos pais, ouvindo a costumeira desculpa de que Rute é uma "criança pequena".

Tive receio de que achassem que eu quis transmitir a seguinte mensagem: a de que Rute seria má por causa da excessiva benevolência dos seus pais. Ainda que eu deva concordar que seus pais são cegos e cometem erros e que, quando os pais são excessivamente permissivos, os filhos poderão desrespeitar limites, penso que culpar apenas os pais seria simplificar demais a questão. Acredito que Rute é um caso extremo e excepcional. Criei-a baseada em casos que li sobre crianças perversas que, muito pequenas, começaram a praticar maldades e atos crueis contra outras pessoas e animais. Seria sua maldade inata? Desconheço, mas li que muitos psicopatas começaram a demonstrar seus instintos perversos maltratando e matando animais indefesos, como Rute fez com o gatinho da irmã. Rute tem certos traços que se enquadram no perfil de um psicopata, como a extrema habilidade para mentir e manipular e a ausência de remorso.

Sua habilidade em levar os outros a fazer tudo o que ela quer é percebida pela sua irmã, a única a notar os traços de anormalidade no seu comportamento e a quem Rute mostra a sua verdadeira face, rindo de uma maneira que a deixa desconfortável. Sendo a única a perceber que a irmã não é normal, sua irmã está sozinha, vendo que terá que usar toda sua esperteza para se proteger de Rute, já que, se contar aos pais, eles não acreditarão e, admitamos, essa é uma atitude justificável. Que pais iriam admitir logo imediatamente que seus filhos crianças são prováveis psicopatas?

Apesar dos receios quanto a reações negativas, eu publiquei e resolvi me arriscar a receber críticas negativas, algo de que nenhum escritor está livre. Fiquei surpresa ao ler tantos comentários favoráveis e o número de leitores.

Uma professora minha perguntou se eu não escreveria uma segunda parte e, estimulada por essa sugestão e pelos tantos comentários a favor do conto, estou dando continuidade a esta história, a qual eu não esperava que fosse tão bem-recebida.