Roxa



Quando virou a última página chorou canteiros, até que a última flor desidratou na raiz dos cabelos. Abraçada aos joelhos observava seus pés cruzados, um sobre o outro, se alternando num movimento infantil. Ou seria um sentimento infantil? Porque doía tanto o corpo se não havia um corte? Quando e como foi esse baque que lhe tingiu um roxo na pele que só ela via? Ou, melhor, sentia. Enquanto vertia gotas de ausência pelos poros pensava: “roxo é a cor da dor, talvez por isso os velórios roxos, a morte roxa... a morte é roxa, não é preta...”. Ameaçou um sorriso com o pensamento descabido, esses pensamentos descabidos incontroláveis nas horas mais inadequadas. Ameaçou e sentiu o gosto salgado nos lábios que repetiam: “...roxo...roxo...”. Ainda abraçada aos joelhos o movimento agora era uma gangorra, sua meia lua tombava um pouco prá frente, um pouco prá trás, um pouco mais prá frente, um pouco mais prá trás, e roxa tombou pro lado junto com a última lágrima derramando na cama um perfume de memória. Adormeceu entre páginas em branco, curvada sobre si mesma, no aconchego da própria carne. Quando sentiu a claridade a manhã marchava a todo vapor. Frente ao espelho amanhecia lenta com o gosto de hortelã na boca, encarando a face do dia, um pouco mais senhora, roxa por uma nova história.


(Imagem: Foto de Filipa Mateus)