“Amarga confissão” (David Nasser e Herivelto Martins. Interpretação de Nélson Gonçalves)

A música marca quase todos os momentos das nossas vidas e a melodia e a letra têm o poder de entrar pelas veias e se espalhar por todo o corpo. Além disto, arrebentam de alegria, de paixão e de toda sorte de sentimentos a nossa alma.

Ainda recém-casada, morava em uma casa de conjunto residencial, tudo novo pra mim, nascida e criada no centro da capital dos sergipanos. Todas as manhãs, acompanhando a minha primogênita em seu crescimento, eu até tentava ser a mulher dona de casa e esperava o marido chegar do trabalho para aquele momento lindo do almoço em família. Sempre gostei mais da rua, do restaurante, dos hotéis, dos navios, dos aviões; das reuniões profissionais, das salas de aula. Aquele pequenino mundo novo feito de sol, no pátio do fundo da casa, me surgia como se fosse uma parte do paraíso.

O paraíso tinha crianças correndo na calçada, vendedores de frutas, mulheres falando alto, homens discutindo futebol. Mas, de repente aquela maravilha se transformava e eu ouvia gritos de uma mulher e uma voz grossa, masculina. A mulher gritava mais e eu ficava sem saber o que dizer à minha pequena que perguntava: mãe, o que é isto? Deve ser a televisão, algum filme por aí, nos vizinhos. Penso haver acreditado mesmo desconfiada, em sua inocência, pois se era um filme, passava todo santo dia.

Todo santo dia também eu me perdia em divagações. Outro vizinho que até hoje não consegui descobrir quem era, ouvia, com o toca-discos em volume máximo, a mesma música e no mesmo horário. Não consegui descobrir quem era o meu vizinho apaixonado, mas dele até hoje jamais me esqueci. E foi pensando nele que procurei no Youtube a canção que ouvia e que, se vivo estiver, deve ainda ouvir. E se já é falecido, ouço eu a sua música predileta: AMARGA CONFISSÃO, na voz de Nélson Gonçalves.

Amigo, eu venho debruçar-me no teu ombro

Pra fazer a confissão do meu fracasso

Para dizer que esse covarde não tem força

De voltar contra o seu peito o próprio braço

Amigo, eu venho não em busca de consolo

Nem de apoio moral pra minha dor

Venho apenas, meu irmão, meu camarada

Para dizer que roubei o seu amor

Quero dizer-te, meu irmão, meu camarada

Que lutamos contra tudo ferozmente

Que tentamos esmagar os corações

Mas que o amor foi bem mais forte, infelizmente

Um assassino que mata a sangue frio

Um ladrão que assalta à mão armada

Talvez não sinta no peito esse remorso

E essa vergonha na face retratada

Amigo, nunca mais me estenda a mão

Que não merece por mim ser apertada

Nem essa mulher merece o teu perdão

Esquece que existimos, camarada