Reunião familiar
Quatro primos se encontraram no centro da cidade, por puro acaso. Três já vinham de algum lugar até que encontraram o quarto primo. Olá, primo. Oi, cara. Apertos de mão. Risos. Mãos se encontrando e desencontrando, a festa familiar foi se formando em meio às pessoas caminhando pelo calçadão. Primo, veja aqui neste celular. O quê? Veja, olhe com estes seus olhos que a terra haverá de comer. Os quatro olhando para a telinha. Veja, primo, este nosso primo aqui do meu lado, agora é corno. Corno? É, rapaz? Que conversa é esta? O corno ria meio sem graça. Mas o que eu vejo no celular são duas mulheres. Isto mesmo, elas duas agora são casadas, vivem juntas, um amor como nunca se viu. Primo, que peste é isto? Verdade, primo, aconteceu, então nada há a se fazer. O do celular continuou: primo, veja, agora este nosso primo corno achou de entrar para um grupo teatral, agora quer ser gay. Gay? Isto nunca houve em nossa família. Era só o que faltava. E que diz você, primo? O primo corno e agora suspeito de sair do armário, de soltar a franga, era do tipo bem humorado, apenas sorria. Não confirmava e nem negava. O do celular, malandro por natureza, continuou falando. Teve uma reunião lá em casa. Estavam quase todos. Olhe, estamos aqui reunidos para tratar de um assunto de caráter familiar. E foram fazendo aquela introdução mal intencionada para conseguir a adesão, mas família é família e ponto final. Ponto continuando, lá ia a reunião cheia de protocolos e cuidados. É o seguinte, disse uma tia mais velha, investida de liderança entre os seus, afinal, que ali estavam reunidos com o objetivo de solicitar a todos os membros familiares o decoro e o bom senso, a ética, a moral e a compostura. Alguns ficaram meio desconfiados dessas palavras, uns baixavam os olhos, outros bocejavam e outros se mexiam nas cadeiras. Cada um já se sentia na berlinda. Minha mulher ficou sabendo que eu tava pegando a vizinha, essas pestes fofoqueiras foram dar com a língua nos dentes, pensou Amílcar. João tinha certeza que a reunião seria para repreendê-lo por ter quebrado um cofre de barro para comprar uma cerveja com as moedinhas. Cada um já pensava sobre a mentira para justificar as falhas. Uma demora infeliz daquela tia antipática em dizer exatamente do que se tratava. A velha tia olhou nos olhos de cada um. É o seguinte, estou envergonhada, mas como representante da família, tenho que enfrentar este momento. Todos vocês já estão cientes que a mulher do meu sobrinho Antônio o deixou para conviver com uma amiga. Aqui estou para dizer a vocês que o caso não tem solução, mas há uma saída honrosa. Os outros respiraram felizes com a miséria dos parentes. Amílcar poderia continuar pulando a cerca para a casa da vizinha e o João não teria que enfrentar a esposa por haver quebrado o cofre de barro. Que o primo fosse corno era pouca merda, além do mais corno de mulher, toma, safado. A ordem que a tia deu foi sumária, nenhum dos parentes poderia mencionar o caso do primo trocado pela mulher que agora vivia amorosamente com uma amiga. Isto não pode ser comentado de forma alguma, estejam todos avisados. Assim que o recado foi dito, os presentes tiveram direito de manifestar-se. Foi aí que aquele primo safado, do celular, pediu a palavra. Palavra concedida. Meus familiares, quero, da minha parte, dizer a vocês que miséria pouca é tiquinho e eu também fui enganado por minha mulher. Por outro lado, quero assegurar a todos que de mim nada temam quanto ao silêncio sobre o ocorrido. Eu não disse a pessoa alguma a não ser ao Facebook.