Os Causos

O Sete de Setembro Futebol Clube de Mendes Pimentel foi a primeira e a maior paixão da minha vida , depois veio o Flamengo e a Seleção Brasileira , veio Pelé, Garincha e Gilmar Goleiro da Seleção. Mas o Sete de Setembro era a maior , as cores de sua camisa era amarela e verde , como a da seleção canarinho. Era lindo quando recebiam um time adversário para jogar, era uma festa na cidade, mas o maior adversário, inimigo mesmo era Fluminense de São Félix , a porrada comia , a cidade ficava em festa , sempre aos Domingos, as vezes fechavam o campo e até cobravam entrada, mas menino não pagava não, quando queriam cobrar a gente pulava a cerca ou entrava pelo córrego que marginava o campo.

Arranca toco, esfria sol, cascudo era nome que o pessoal dava ao time de aspirantes ,eles entravam em campo as 2 ou 3 horas da tarde, naquela hora o Sol tava arrebentando e quase não tinha ninguém para assistir, era uma pelada danada, o time do Fluminense tinha um jogador chamado Galo Velho, era da família dos Rosas, ele jogou a vida toda no Cascudo nunca jogou entre os titulares , ...estava em todos os jogos, ficou velho e continuou jogando , parece que jogou até os 70 anos,tinha uma raça danada era zagueirão ,a bola passava mas o adversário não ele metia a porrada. No Sete tinha o Alceu ele as vezes jogava no time principal , mas quase sempre estava no Arranca Toco , ele era dono da Loja de Tecidos "A Principal", tinha um irmão entre os titulares que mais tarde seriam 2 , o Carlitos que com 15 anos se tornou o melhor atacante do Sete de Setembro.

07022013

O meu avô Antonio Espanhol que era morador de São Félix e foi presidente do Fluminense por vários anos vinha sempre na cabine do caminhão que trazia os jogadores. Meu avô que sempre teve padaria em São Félix odiava o Sete Setembro e também não gostava muito de Mendes Pimentel, assim como todo São Felense e vice versa. Nós os netos só o chamávamos de 'Padrinho espanhol' ele era... padrinho do meu irmão mais velho e os mais novos também se achavam seu afilhado, ele era careca mas pintava de preto os ralos fios que ainda tinha na cabeça e sempre se vestia muito bem era a alegria dos netos quando vinha a Mendes Pimentel. Naquele Domingo ele almoçava lá em casa e mimha mãe ficava muito feliz, ela era branco tinha uma barriga bem grande, para mim todos os avôs tinham que ser barrigudos eu achava que meu avô era o avô mais lindo do mundo. Ele contava muitos causos , cantava e falava versos, versos que ele mesmo inventava mesmo sendo analfabeto de pai e mãe.

Na medida que o jogo dos Cascudos ia chegando ao fim o "Estádio "ia ficando cheio , o povo procurava os melhores lugares, não tinha Arquibancada , todo mundo ficava de pé . Formava-se grupinhos nas laterais e até atrás dos gols , a gente que era pequeno ficava quase dentro do campo , correndo prá lá e prá cá , a gente queria era ficar sempre acompanhando o ataque dos jogadores do Sete, se tinha penalti a gente corria para perto do Goleiro, para mim não tinha nada mais bonito do que ver o 'Baiano' , goleiro do Sete, fazendo uma ponte e buscando a bola lá no alto com aquelas mãos enormes , a gente mergulhava na grama querendo fazer igual.

Debaixo de vaias entrava o time principal do Fluminense , de longe a molecada jogava "mamuxas" de laranja nos jogadores e as vezes a polícia intervia e a gente saia correndo pelo campo. Logo em seguida entrava sob aplausos e tiros de foguete, e no meio tinha até tiros de arma de fogo mesmo, o Glorioso esquadrão do Sete de Setembro Futebol Clube, na frente vinha o Baiano com os seus ...1.90 mts de altura trazendo a bola do jogo nas mãos. Prá mim não tinha momento mais feliz em minha vida, eu pulava e fazia cambalhotas na grama, queria ficar perto de cada jogador e só saia do campo quando ameaçavam me dar porrada para o jogo começar. Quando o Sete ganhava era uma festa danada ,uma alegria que até hoje eu nunca tive nem com a seleção brasileira. Mas amigo ,se o Sete perdia o bixo pegava ,a gente saia antes do jogo acabar e seguíamos até a saída da cidade com os bolsos cheios de pedra e ficávamos aguardando o caminhão deles aparecer para começar a guerra de pedras no caminhão deles que era aberto , os jogadores e torcedores ficavam sentados em bancos de madeira na carroceria , meu avô ficava na cabine então não tinha perigo dele levar uma pedrada. As vezes a polícia acompanhava o caminhão até ele sumir na serra ou então eles mandavam era bala prá cima da mulecada.

08022013Ver mais

Durante uma das partidas entre o Fluminense e o Sete de Setembro um jogador do Sete se sentiu ofendido por um torcedor do Fluminense e veio até a beira do Campo e meteu a mão na cara do torcedor mal educado que, se não fôsse contido pela turma do deixa disso teria matado ali mesmo o jogador do Sete. Eu estava bem perto e ví o quanto o cara chorava de ódio por não terem deixado ele meter bala no Jogador que não sabia que tinha esbofeteado um garoto chamado Tilelê que era da família dos Abrão, muito conhecida em São Félix por não levarem desaforo prá casa . No outro dia pela manhã o nosso atleta se mudou para o Paraná com a família e tudo ,ele não quis pagar prá ver.

09022013

A cidade de Mendes Pimentel fica localizada entre dois morros , tem uma rua comprida que nasce ao pé de uma serra muito linda ,naquela época o asfalto ainda não tinha chegado nem nas estradas e muito menos na cidade era um barrão só a serra e as estradas eram chapiscadas com um saibro brabo e quando chovia só Jeep com tração nas 4 rodas conseguia vencer aquele lamaçal do c...ão , e o único õnibus que ligava Mendes com a cidade de Governador Valadares não saia da Garagem. O Lombo de cavalo era então o meio de tranporte mais usado pelos moradores e as tropas de burros subiam a serra para trazer as coisas que o povo precisava. As ruas eram um atoleiro de lama e a molecada adorava o tempo das chuvas, era quando a gente brincava de 'Finquinho' de tomar banho no rio que enchia e jogar bola no campo todo enxarcado e era gostoso andar descalço sentindo a lama entrar entre os dedos dos pés .

Nas cidades do interior tudo tinha o seu tempo certo, tinha o tempo das águas, tempo de plantar e tempo de colher e para a mulecada tinha o tempo de brincar, brincar de roda de pião,jogar finquinho,jogar birosca(bola de gude),soltar papagaio(pipa). Tinha também o tempo das mangas , das laranjas e mixirica,tempo das goiabas, das canas para fazer garapa e um montão de coisas que a gente inventava, só não tinha tempo era para a bola, a bichinha sofria, bola era para todos os dias e para todas as horas.

O meu avô Antônio de Oliveira era conhecido como Antônio Espanhol , mas não sei porque e só me lembrei porque a Penzinha comentou, as pessoas só o chamavam de 'Espanhola', isso mesmo no feminino, para os netos ele era o 'padrinho', ele nunca era chamado de vovô. Ele sempre teve padaria e depois uma pensão e daí tirava , eu hoje não sei como, o seu sustento. Eu não sei como porque ele e...ra bom demais,nunca se ligou para esse negócio de ganhar dinheiro, primeiro porque ele nem sabia como ganhar, sua casa estava sempre aberta , as pessoas chegavam entravam na cozinha e iam direto ao fogão de lenha que sempre tinha uma panela cheia de carne cozinhando, outra com feijão, arroz e tudo mais, era chegar e se servir, quando morreu não tinha um centavo guardado, são os milagres da vida, sempre comeu e se vestiu bem .

Meu avô por lado de pai se chamava Américo de Moura ,foi ele um dos contrutores da igreja de Mendes Pimentel . Grande carpinteiro que era ficou cego e teve uma perna amputada e passou então a viver com miha tia Fia que era viúva e responsável pelo Correio da cidade, diziam que ela gostava de abrir as cartas do povo, mas eu não acredito.

Rio 28/02/2013

Meu avô por lado de pai se chamava Américo de Moura ,foi ele um dos contrutores da igreja de Mendes Pimentel . Grande carpinteiro que era ficou cego e teve uma perna amputada e passou então a viver com miha tia Fia que era viúva e responsável pelo Correio da cidade, diziam que ela gostava de abrir as cartas do povo, mas eu não acredito.

Rio 28/02/2013

Vovô Américo que era cego e só tinha uma perna gostava muito de contar histórias ,geralmente à noite, ele vinha se arrastando pela sala , passava por dentro do Correio da tia Fia e vinha se sentar em um banquinho que ficava na calçada , ali a gente ficava sentado no chão esperando ele contar histórias prá gente. Ele pedia então que alguém fôsse lá no fogão acender um cigarrinho para ele, a gente voltava com o cigarro aceso e o entregava na posição contrária, com a brasa na direção da boca ele levava o maior susto e quase se queimava ,a mulecada morria de rir, vovô então catava o primeiro que desse mole e metia a porrada.

Rio, 28/02/2013

Vovô se preocupava muito com os netos , eu me lembro uma vez que eu contei prá ele que tinha um garoto que gostava de me bater e ele então falou assim : " - Você arranja um porrete e bota na cintura debaixo da camisa , quando ele vier te bater vc mete o porrete na cabeça do filho da puta e sai correndo prá casa". Eu claro não tive coragem de seguir o conselho dele.

Uma festa também era quando o Circo chegava na cidade . Tinha o palhaço trepado em uma perna de pau enorme, ele saia pela rua anunciando o espetáculo e a meninada ia junto gritando na maior algazarra .

Quem tivesse o braço ou o rosto marcado entrava de graça , mas não podia tomar banho senão a marca de tinta apagava e a gente não podia entrar, então a gente tinha que ir suj...o mesmo. Quando a gente não conseguia a senha para acompanhar o palhaço , o jeito era passar por debaixo da lona, mas nem sempre dava certo , se a gente fosse pego pelo vigia do circo a porrada comia no lombo. Era muito divertido, a gente passava o maior aperto para conseguir um lugar na arquibancada , se o circo estivesse cheio era mais fácil se misturar na multidão , mas com o circo vazio era complicado, pela nossa cara o pessoal já sabia que a gente tinha furado o pano , tinha que ter cara de pau mesmo , não podia ter vergonha, valia de tudo para entrar no circo .

Era isso mesmo O PALHAÇO gritava e a meninada repetia tudo. Mas o mais triste é que quando chegava em casa todo sujo com a cara toda borrada de tinta ainda apanhava do meu pai que achava a maior palhaçada ficar correndo atrás de palhaço de circo.

Eu nunca acompanhei o palhaço mas me lembro muito bem deles montados naquelas enormes pernas de pau com um alto falante de lata tipo funil anunciando: -Hoje tem, hoje tem . -tem sim sinhô. -Hoje tem espetáculo? - Tem sim sinhôooo...lá na rua do buraco ? A meninada respondia: tem sim sinôooo. Hoje tem forrogodó. -Tem sim sinhôoooo... no nariz da sua vó! Tem sim sinhôoo. Benedito Bacurau, tá no oco do pau. Eu vou alí mas volto já, vou buscar maracujá. As vezes o palhaco dizia: quem não gritar bem alto vai ser a mulher do palhaço. Aí a garotada gritava mais alto ainda. Realmente era uma festa.

(Narrativa de Francisco de Assis-30/09/2009)

José Américo
Enviado por José Américo em 09/03/2013
Código do texto: T4180263
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