Esses Caras (fala Chorão)

Se a gente quiser dizer que a droga não está com nada, mas que muitas vezes acaba vencendo, tem muita gente por aí que não vai querer ouvir, mal você comece a falar. O que é até compreensível. Todo mundo deplora o que tiver uma conotação de conselho. Ninguém quer ser aconselhado. Todos sabem o que é melhor pra cada um. E no limite, é cumigo mesmo, ninguém tem nada com a minha vida, tá ligado?

Então, quem se liga um pouco, não tem nada mesmo a dizer. Deixa acontecer. Deixa tudo caminhar. A vida sempre dá um jeito. Mesmo ao que aparentemente não tem jeito.

Mas se o cara se aproxima e insinua um pedido de socorro, aí a gente se anima e parte pra cima. Um tratamento clínico sério. Um apoio constante, já que a recaída é a todo instante. Vamos ser aquela bengala. Que muitas vezes ensina alguém de novo a andar. E vale à pena tentar, porque se a batalha for vencida, teremos talvez restituído uma vida. E então é só gargalhar.

Agora, deveremos ter um envolvimento forte com o malandro, uma reação química biunívoca tem de acontecer. E o cara tem que nos entender. Ou pelo menos fazer um esforço mínimo. Talvez seja imprescindível que role aquilo que chamamos de amor. Ou seja o que for, algo que sufoque a perda do interesse. De ambas as partes.

A questão passa, a princípio, pela configuração do domínio. Isso deve ser dito pro cara se ele quiser ouvir. Ou você domina a droga ou é o contrário. E ela nos fará de otário. Mas não tem aquela de que ela é coisa do diabo, ou o próprio “7 pele”, como dizia Cássia Eller. A droga tá ali quietinha. É só não mexer muito com ela. Mas dá pra conviver. Afinal não convivemos com tantas garrafas de uísque ou cachaça em casa? E estamos sempre dispostos a abri-las de noite? Quando todas as almas fugiram do purgatório? Ou todos os gatos são pardos? Ou pela manhã? Atrás de uma injeção de ânimo?

Talvez o problema não seja bem a droga. Seja a droga da dependência. Essa é uma palavra mágica. Podemos depender da mulher que temos ou da namorada. Achamos que sem ela não somos nada. Não imaginamos que ela possa arranjar um outro cara de repente. Vamos querer vê-lo sem os dentes. Ou que ela suma sem dar notícias. Deixando aquele vazio difícil de ser preenchido... E fazemos questão de não perceber que esse não preenchimento será necessariamente por algum tempo. Porque nada dura pra sempre. A gente é que inventa que é o contrário. Já viu como a gente depende do celular? Antes não havia celular e todo mundo vivia.

Na verdade o vício sempre está do nosso lado. O vício de juntar dinheiro. Ou de gastar o que tivermos no bolso. O vício de estarmos do lado de quem a gente gosta. O vício de matar. O vício de salvar. O vício de brigar. O vício de apanhar. O de torturar (é só perguntar a quem trabalhou no DOI-CODI da Barão de Mesquita na época da ditadura). O vício de escrever, achando que temos realmente o que dizer. O vício do jogo em geral. E como as mulheres o apreciam. O vício de estar bem vestido sempre. Ou de andar mal arrumado. Ele está sempre do nosso lado. Podemos dizer que é de fato um companheiro. O vício de ir ao banheiro. Ler o jornal.

Tudo isso, ou todo vício é natural. A questão é definirmos os espaços. Porque há vícios com características mais adesivas. São os tais caras que sempre querem estar com a gente. A esses devemos lembrar quem está no comando. E dizer-lhes que nem sempre teremos tempo pra eles. Mas antes é preciso não darmos muita confiança a eles. Já viu aqueles caras que a gente atura, mas só por educação? Com certos vícios é mais ou menos por aí. Nem sempre merecem muita atenção. Aí eles ficarão comportadinhos.

Rio, 09/03/2013

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 09/03/2013
Reeditado em 10/03/2013
Código do texto: T4179929
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