8 de março, mais um Dia da Mulher

(Vicência Jaguaribe)

07/03/2013

Uma das coisas mais irritantes dos tempos da televisão, do computador, do celular, da Internet, com suas redes sociais, é a repetição das informações sobre os acontecimentos. Assistimos ao noticiário antes de sair para o trabalho e ouvimos, no rádio do carro, as notícias de última hora — as mesmas da televisão; no caminho para o trabalho, passamos pela banca e estão lá as manchetes do que ascabamos de ouvir no rádio e ouvimos e vimos na televisão; acessamos o UOL e achamos expostas à curiosidade dos internautas as mesmas notícias que vimos no jornal televisionado e no jornal impresso; em casa para almoçar, ligamos o televisor e ouvimos, já de saco cheio, a repetição das notícias que ouvimos pela manhã; à noite, no jornal das oito, ouvimos o que já sabemos de cor; e, para coroar, vem o que pode ser a gota d’água — a repetição, nas revistas semanais, de tudo que já ouvimos e lemos durante a semana.

E as comemorações ao longo do ano? O Dia das Mães, o Dia dos Pais, o Dia da Criança, o Dia do Professor, o Dia do livro, o Dia do Ancião, o Dia do Trabalho, o Dia da Mulher? O Natal, o Ano Novo, a Semana Santa, o Carnaval? Ah! Deus, é dia que não se acaba mais. E todos os anos, nesses dias, as propagandas são as mesmas, as reportagens são as mesmas, as entrevistas são feitas a pessoas diferentes, mas as perguntas são as mesmas. E fica aquela sensação de déjà vu, que incomoda os olhos e os ouvidos mais sensíveis.

Há três dias já que nos bombardeiam os ouvidos e os olhos com as homenagens ao dia 8. Isso mesmo: acho até que é muito mais um tributo ao dia do que um preito à própria mulher. E é sempre o mesmo discurso, sem nenhuma alteração, sem nenhuma criatividade. A louvação desbragada da mulher, com poucas verdades e muitas mentiras, com constatações óbvias, com sugestão de presentes — afinal, o comércio precisa garantir o seu.

Este ano, tive a saudável — o saudável foi impressão minha — curiosidade de pesquisar o que aconteceu, ao longo da história, no dia 8 de março. Fiz uma pesquisa rápida na Internet, e é este o resultado.

O dia 8 de março é o dia consagrado à memória dos que morreram na Segunda Guerra Mundial. Justo. Afinal, muitos morreram para que nós continuássemos a viver livremente.

Um outro 8 de março de um longínquo ano — 1808 — marca a data em que D. João VI, saindo da Bahia, chega ao Rio de Janeiro e faz da cidade a residência fixa da corte portuguesa.

Outra curiosidade em um ano mais remoto ainda: foi neste dia do ano de 1500 — um domingo — que a Armada de Pedro Álvares Cabral partiu em direção à Índia, viagem que, como todo mundo sabe, ensejou o descobrimento do Brasil. E foi prevenido o carinha: a Armada compunha-se de treze navios, com 1200 a 1500 soldados, muito bem armados. Muito interessante! Se a frota ia negociar na Índia, por que seu comandate foi tão prevenido, tão cauteloso? Boa pergunta, não?

(Só um aparte: quando cursava o primário, não entendia muito bem esse ato de descobrir. Ficava imaginando a nova terra coberta por um enorme pano preto, e Cabral puxando o pano para descobrir o Brasil. Imaginação de criança é coisa séria.)

Foi no dia 8 de março de 1914 que Fernando Pessoa revelou sua brilhante criação: seus três principais heterônimos. Diz o articulista da Internet que, nesse dia, “Fernando Pessoa explodiu em três diferentes poetas”: Alberto Caeiro, o mestre bucólico; Ricardo Reis, o artista neoclássico-estóico; e Álvaro de Campos, o poeta futurista.

O dia 8 de março também é uma data importante para os católicos. Nessa data, a Igreja Católica festeja o santo português São João de Deus, nascido em Monteoro Novo, Évora, Portugal, em 1495.

Por haver trabalhado vendendo livros, é tido como o padroeiro dos livreiros e tipógrafos.

Dedicava-se aos doentes e criou a Ordem de Caridade hoje conhecida como Ordem dos Hospitaleiros de São João de Deus. Em um grande incêndio ocorrido no Hospital Real, na Espanha, enfrentando perigosamente as chamas, salvou muitos doentes, sendo, por isso, considerado o padroeiro dos bombeiros.

Juntamente com São Camilo de Lellis, é o patrono dos hospitais católicos, dos enfermeiros e dos doentes.

Morreu no dia 8 de março de 1550 e foi canonizado em 1690.

São João de Deus é, portanto, 8 de março duas vezes: no nascimento e na morte.

Mas o 8 de março que, realmente, criou raízes no imaginário popular e originou o Dia da Mulher foi o do ano de 1857. Nesse dia, na cidade de Nova Iorque, as operárias de uma fábrica de tecidos entraram em greve reivindicando melhores condições para trabalhar: redução na carga diária de trabalho de 16 para dez horas; equiparação do salário ao do homem e dignidade no ambiente do trabalho. No extremo da repessão ao movimento, as mulheres foram trancadas nas dependências da fábrica, que foi incendiada. O saldo foi a morte de aproximadamente 130 tecelãs.

Mais de cinquenta anos após o massacre, em 1910, em uma reunião na Dinamarca, decidiu-se que o dia 8 de março seria considerado o Dia da Mulher. Era uma homenagem às operárias mortas durante a greve de 1857. No ano de 1975, a ONU, por decreto, oficializou a data. Essa oficiaização vai coincidir com a segunda onda do movimento feminista, que ocorreu nas décadas de 1960 e 1970.

Bem, já são 23 horas do dia 7 de março. Falta somente uma hora para que tenhamos mais um dia 8 de março, isto é, mais um Dia da Mulher. Ninguém se lembrará dos mortos da Segunda Guerra Mundial, nem da chegada de D. João VI ao Rio de Janeiro, nem da partida de Pedro Álvares Cabral, muito menos de São João de Deus. Também não virá à memória de ninguém — e acho mesmo que pouquíssima gente sabe — o sacrifício das 130 mulheres, que morreram na luta pela dignidade feminina.

Mas o comércio não para de lembrar que amanhã é o Dia da Mulher. Amanhã, encontraremos em cada esquina da cidade alguém vendendo rosas para serem ofertadas às mães, às irmãs, às filhas, às esposas, às namoradas. E muitos homens as comprarão: alguns porque querem realmente homenagear as muheres de sua vida; outros as comprarão mecanicamente, como comprariam uma caixinha de chiclete de uma criança que lhes ronda o carro. Alguns porque desejarão, realmente, expressar seu amor e sua admiração à mulher-esposa, com quem vivem bem; outros, porém, o farão para pôr uma mãozinha de cal em uma parede que já deveria, há muito, ter sido demolida.

É verdade que, depois de engolir muita poeira na estrada, conseguimos muitas vitórias, mas a guerra está muito longe de acabar. Mulheres ainda são traficadas; meninas são mortas ao nascer para que os pais tenham a oportunidade de ter um fiho homem; esposas são massacradas física e psicologicamente pelos maridos; mulheres ainda são xingadas no trânsito; mulheres ainda são consideradas culpadas por serem estupradas, etc., etc., etc. Mas, sem dúvida, chegaremos lá.