A FORÇA DE UMA MENINA-MOÇA
Dia de atender as gestantes carentes. Um trabalho desenvolvido por um grupo de pessoas que atuam no chamado terceiro setor.
Na tarde de ontem, não foi diferente, a cada moça que atendo, algumas mal saída da infância, escuto histórias de arrepiar até as dobras da alma.
Neli senta-se à minha frente e pouco fala. Rosto marcado por um roteiro de vida dura e triste, por si só diz por ela. Quando por fim ganho sua confiança, mostrando meu interesse real em ser útil, ela abre suas comportas de angústia, e misturadas ao pranto copioso, conta-me a trajetória de sua vida.
Neli tem 14 anos, e espera um bebê. Aos 9 anos, sofreu abuso sexual .O autor: um tio, irmão de seu pai.
Esse bebê, que carrega no ventre, é fruto de uma tentativa desesperada, para sair de um lar, totalmente desequilibrado. Neli, envolveu-se com um traficante da favela onde mora, ele tem 44 anos. E claro, não vai assumir nada do que prometeu a ela, e ameaçou matá-la, caso ela o incomode.
Sei que relatos como esse tem as dezenas no mundo moderno. Porém, o que me chama a atenção, no caso dessa menina-moça, é a determinação, em levar a frente a gestação, e o carinho que demonstra pela criança que cresce em seu ventre, há 6 meses.
Com muita emoção, ela me diz baixinho: "No posto que consegui atendimento, pelo ultrasom o médico viu que é uma menina. Eu prometi a ela, que não vou deixar que a vida dela, seja como a minha, vou protegê-la, e ama-la, pois, sei bem o que é viver sem amor e proteção".
Em sua voz uma força mesclada com carinho infinito, o que chamou minha atenção, foi o olhar doce e com um brilho novo, enquanto ela dizia, que vai cuidar e zelar pela filha.
Não sei dizer se Neli, vai conseguir realizar seu projeto de ser uma boa mãe e conceder uma lar equilibrado para sua filhinha, as condições que a rodeiam, são muito adversas, mas percebo, que a vontade dela é imensa. Vontade de quem sofreu toda sorte de abuso, desejo de quem, nunca foi cuidada, amada. Por isso uma vontade determinada, pois cunhada no sofrimento, na vivência de uma vida regada a maus tratos e pranto.
Nessa data, escolhi escrever sobre essa menina-moça, sofrida, muito sofrida, que ainda encontra coragem de lutar pela filha que carrega no ventre, e ainda cultiva esperança de zelar por ela, com amor, um amor que ela não conheceu, mas que deseja muito que sua filhinha conheça.
Hoje, que o mundo convencionou chamar de "Dia Internacional da Mulher", quis escrever sobre uma anônima mulher. Que tenta se livrar das correntes dos traumas que viveu e vive em sua vida, lutando e protegendo o fruto delicado que trás dentro do ventre. Ventre que acaricia com ternura, enquanto diz: "prometi a ela, que vou protegê-la, não vou deixar que façam com ela o que fizeram comigo".
Se Neli, vai conseguir seu intento? Claro que, não tenho respostas, sua situação é totalmente adversa, para conseguir criar sua filhinha. Mas, o que toca o coração de toda pessoa que é sensível, é a força com que essa menina/moça, transita dentro de uma situação pra lá de difícil.
Para Neli, em nome de tantas que como ela, vivem dias de luta e dor, mas não desistem de exercer o mais nobre papel destinado a uma mulher, eu dedico essa expressiva data.
(foto da autora: Orquídeas do meu jardim)