Vaidades  e bondades


 
            Não sei se os amigos estão apreciando essa minha fase humorística. Sinto que ainda estou com esse surto brincalhão.  Pra que vocês entendam, o surto nos pega de jeito e não temos como fugir dele.  Meio parecido com aqueles surtos que ocorrem com muitas pessoas que visitam, pela primeira vez,  a Cidade Santa de Jerusalém.  O clima de religiosidade é tal que, de repente, um turista começa a andar como Cristo pela cidade, se sentindo o próprio Salvador. Deixa o cabelo crescer, a barba, andando de túnica e de pés descalços. Felizmente, depois de um tempo, o surto desaparece e há no local, pelo que imagino, psiquiatras para atender essa gente mais sensível.
            Eu mesmo, na adolescência,  fase difícil por que passamos,  tive duas crises leves de alta religiosidade, querendo me enterrar vivo em qualquer mosteiro do Tibet.  
            Mas não estou escrevendo para falar de religiosidade. Isso foi só pra exemplificar o meu atual surto cômico. Pois bem, estava eu na rua Direita de Miracema, ou poderia ser na rua do Sabão. Sinto que estou trocando o nome da rua, o que é comum em mim e como bem sabe o querido amigo Yamânu (quase escrevi de novo Yanomâni).  Mas eu quero mesmo é falar sobre o que me anda impressionando no ser humano. Aliás, tudo me impressiona no ser humano e não é de hoje que sou impressionável. Vou logo dar o exemplo de vaidade, exemplo contado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, que demonstra a feiura da vaidade. Sempre bom recordá-lo.  Um certo dia, o Nelson recebe um telefonema de um amigo de infância. O amigo dizia: - “Nelson, vem aqui no meu gabinete porque serei por 15 dias Ministro Interino. Quero que você veja como deve ser a postura de um Ministro.  O velho Nelson foi ao gabinete.  Sentado numa poltrona, vê um funcionário da repartição entrar no recinto para falar com o Ministro Interino. Começa dizendo: - Dr. Fulano de tal, eu vim aqui...  Nessa altura, foi interrompido pelo Ministro. – “Enrole essa língua, meu rapaz, sou Ministro e você deve me tratar por Excelência. Gaguejando, o funcionário conserta o seu falar. – “ Ministro, gostaria de perguntar a Vossa Excelência, etc, etc.
            Com a retirada do funcionário, o Ministro, fazendo pose, explica ao Nelson que é assim que uma autoridade deve  se portar. E acrescentou, todo vaidoso:  – “Nelson, só trato bem os contínuos, os porteiros do prédio, porque esses sabem de tudo, farejam nossa vida. Quando você sair, pergunte ao primeiro contínuo o que ele acha de mim. Todos eles me adoram!   Foi o que o Nelson fez. Saiu do gabinete e já deu de cara com um contínuo.  – “Meu amigo, quero lhe fazer uma pergunta, o que você acha do Ministro Interino?”   Resposta imediata: - “Uma besta, um porcaria, esse cara não vale nada”
            Penso que a vaidade é dos piores defeitos que alguém pode ter. Vou abrir um parentêse pra contar outra desse tipo, desta vez aconteceu comigo. Há muito tempo, conversando com uma alta autoridade do Estado do Rio de Janeiro, num bar da rua Gomes Freire, perto da Secretaria de Segurança Pública, resolvo perguntar ao amigo o que deu nele de dar uma bofetada num Policial Militar, em pleno Maracanã. O jogo era um Fla-Flu. O amigo me narra: - “Gilberto, quis entrar na Tribunas de Honra, por ser o melhor local do estádio, sem ingresso, mas com minhas credenciais de autoridade do Estado.  Para minha surpresa, o PM me impediu e disse que eu não podia entrar. Aturdido, dei-lhe uma bofetada na cara” – Eu sei, eu sei, respondi. Vi o seu retrato na primeira página de "O Globo" dando o tabefe. Ingenuamente, acrescentei: - Mas amigo, porque você deu a bofetada?”  A autoridade, me olhando incrédulo: - Ô, amigo! O  PM me tratou como qualquer um do povo! – “Ah, entendi...”
            Há momento em que sinto alguma vaidade por algo que fiz, mas realmente é melhor segurar a vaidade, para não chegarmos a esse ponto que os exemplos nos mostraram.
            Gosto de falar da bondade. Gosto de falar da bondade porque tive um pai que era boníssimo.  Era uma verdadeira “irmã Paula”, de tão caridoso que era. Eu puxei uns 20% da bondade dele. Felizmente, tenho uns 70% da neurose da minha mãe  e que me salvam do meu lado bom.  Saibam que a neurose tem o seu lado charmoso.  Vocês vão estranhar: - “ A neurose salvando você da sua bondade?”  Perfeitamente, digo eu, justamente por causa do abuso das pessoas quando notam tanta bondade. Vou fazendo minhas bondades e de repente tenho que dar uma de neurótico, de mau, porque senão vou sendo explorado e acabam me tomando tudo, literalmente me arrancam as calças.   Ainda bem que não nasci para ser o meu pai, ou o Dr. Murad, cardiologista do Nelson. Como dizia o dramaturgo, esse era bom nas 24 horas do dia. Em geral, dizia ele, somos bons apenas uns 20 minutos por  dia. O médico Murad, não. Era bom de dia, de noite e de madrugada. Ele lhe atendia a qualquer hora. E dou razão ao Nelson. Várias vezes,  fiquei doente em fins de semana e em feriados. Acreditem, nunca encontrei um médico na cidade para me atender. Nesses momentos, eles deixam de ser médicos e a bondade entra, religiosamente,  em férias.