O café do cronista


Ainda não lhes contei que o meu café faz um tremendo sucesso no prédio onde moro.

Toda manhã, assim que abro a porta da minha sala de estar sozinho, lá se encontra o mulherio do sétimo andar, formando uma fila ansiosa e barulhenta, com suas canequinhas na mão. Não me incomodo. Desde que não me arranjem encrenca com a síndica nem saiam no tapa por causa da nossa venerável coffea arabica, é só chegar. Já dizia um evangelho apócrifo que não se nega café a ninguém.

A viúva do 739, que costuma aparecer de shortinho e camiseta branca diretamente sobre a pele, sempre dá um jeito de ser a última da fila, para tentar uma conversa comigo sem a presença das outras.

Ontem, por sinal, estava mais assanhada (trocara a camiseta por um bustiê) e fez o desjejum na minha companhia... Segundo ela, queria apenas a receita do café. Quando lhe expliquei que fazia café como todo mundo e que a própria marca do pó era das mais comuns, se não a mais em conta no supermercado, imaginou que o segredo estivesse no filtro de papel ou na água. Impossível, disse eu: o filtro, o 103 reciclado universal; a água, a mesma água do rio Jequiá depois de muito eterno retorno para chegar às torneiras do insulano Jardim Carioca.

Talvez o amor..., disse da porta uma voz inesperada, entrando com a dona na cozinha como um vendaval e enxotando com raiva a pobre da viúva.

Betinha..., que não dá um centavo pelo meu café mas controla o ex-marido onde quer que se anuncie uma missa-do-galo mais explícita.


[16.1.2006]