EU ESTAVA LÁ... (Diário de um jornalista) Morte de Hugo Chávez

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Cheguei dias antes ao país, atendendo ao convite dos amigos empresários do transporte coletivo Flávio Willer Cândido, em Manaus e, depois, de Luiz Serão, em Boa Vista para que continuasse minhas férias conhecendo cidades no país vizinho (Luiz Serão é dono de empresa de ônibus em Roraima com uma filial na Venezuela, para cujo país se transferiu definitivamente por questões burocráticas e tributárias no Brasil) e, no dia 4 de fevereiro de 1992 irrompeu uma tentativa de golpe militar liderada por Hugo Chávez, contra Carlos Andres Perez, o presidente constitucional civil. Por conta própria, decidi informar tudo o que ocorria no país vizinho ao Brasil e, imediatamente, me muni de instrumentos de trabalho de todo jornalista da época: uma máquina fotográfica amadora Olimpus Trip 35, uma caneta e um caderno de anotações, que sempre me acompanhavam em viagens!

Não era fácil exercer o trabalho em um país estrangeiro com todos desconfiando de todos. Encontrei tanques de guerra nas ruas lançando jatos de águas nas costas das pessoas curiosas como eu; o palácio presidencial vigiado pela Guarda Nacional leal ao presidente eleito e soldados atirando para tudo que era lado. Era uma loucura! Como sempre gostei de história geral, já havia lido sobre os seguidos golpes na Venezuela, comuns desde primeira tentativa ocorrida em 1835 contra o governo de José Maria Vargas, pelo Congresso conservador de José Antônio Páez e o último contra o próprio Hugo Chávez em 11 de abril de 2002 e a instalação rápida do governo de Pedro Carmona.

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Venezuela, o maior produtor de petróleo na América do Sul, nada produz termos industriais, exceto a boa e fraca cerveja “Polar”, mas já tinha em Simon Bolivar uma espécie de herói nacional com direito a estátuas em praça pública, residência preservada e fotos do “Libertador” na porta dos hotéis da capital Caracas. Mas nada podia ser fotografado, nem mesmo as estátuas em praças públicas. Nos deslocamentos de um Estado para o outro, os ônibus eram parados, a Guarda Nacional entrava, pedia documentos dos passageiros e, quando os policiais chegavam ao meu acento, já me encontrava com os documentos em mãos porque eu mais parecia um “hippie”, usando cabelos e barbas longas, mas me identificava com a Carteira Internacional de Jornalista, expedida pela JENAJ no Brasil. Olhavam para mim e diziam: “um!!!! és periodista, então?” Conferiam de novo a foto, olhavam para mim outra vez, pediam meu passaporte e me devolviam tudo, com desconfiança porque eles já não gostavam de “jornalistas xeretas” naquela época, se metendo em assuntos internos do país. Mas me deixavam passar. Com passageiros venezuelanos desempregados se deslocando de uma “cuidad” (Estado) para outra o tratamento era outro: pediam a Carteira de Trabalho. Se não houvesse qualquer registro e o passageiro não portasse e apresentasse uma espécie de “salvo conduto” emitido por um juiz, faziam-no descer pela falta da autorização, revistavam-no, a pessoa ficava detida para averiguação policial e era impedida de prosseguir a viagem. Vi isso acontecendo muitas vezes, em meus deslocamentos dentro da Venezuela. No Brasil, se sai à a qualquer hora, inclusive portando sinalizadores, armas, drogas e contrabando e não acontece nada!

Devido ao excesso de soldados à porta, o palácio presidencial também não podia ser fotografado “por medida de segurança” e o presidente Carlos Andres Perez, não era visto em publico e nem dava entrevista. Havia uma TV, acho que a mais popular na Venezuela, que tinha um slogan nos intervalos de sua programação, dizendo (depois de anunciar o nome da TV, que não recordo mais): “(...) a televison que si se vê”. Era praticamente impossível trabalhar naquelas condições, com tantas proibições impostas emergencialmente! A tentativa de golpe contra o presidente Carlos Andres Perez fracassou, mas durou 12 horas. Quatro tenentes coronéis do exército, que a lideraram foram presos, julgados e condenados- Hugo Chávez, Francisco Agias Cárdenas, Yoel Acosta Chirinos e Jesús Urdaneta.

De ônibus, embarquei em Boa Vista, e rumei por estada ruim dentro do Brasil e cheguei à última cidade brasileira fria de serra em Santa Helena, onde havia uma greve de motoristas que não podiam entrar com seus caminhões dentro do país vizinho, mas podiam baldear a carga de um caminhão do Brasil para outro com placa da Venezuela e registrei esse fato em matéria assinada, publicada em A CRÍTICA, em Manaus. Saindo da capital de Roraima, por uma estrada ruim, ingressei na Venezuela. Logo na primeira cidade do lado venezuelano, observei que em todos os produtos vendidos havia a inscrição PVP, que, mais tarde vim, a saber, que significava “Preço de Venda ao Público” e isso era regra geral. A cerveja “Polar”, a mais popular produzida na Venezuela – acredito que a única também - e que chegou a ser comercializada pelo menos em Manaus, nas várias cidades por onde passava sempre era comercializada pelo mesmo valor. As estradas venezuelanas eram bem conservadas, com rodovias sinalizadas, torres de petróleo queimando ao lado e tubos de ferro imensos que transportavam petróleo e gás também foram cenários registrados em minha retina de um louco viajante. Os comerciantes, com medo de fiscalização da Guarda Nacional, vendiam a “Polar” dentro de sacos de papel para “disfarçar” e serem tomadas geladas após a compra, no balcão, igual ao “jeitinho brasileiro” que adotamos por aqui. Assim, ela poderia ser consumida no balcão dos supermercados e em outros lugares que tinham que ter autorização específica para comercializá-la ao público; mas não poderia ser “bebida no local”.

Passei por muitas cidades lindas e limpas dentro da Venezuela e gravei o nome de algumas por me causarem impacto positivo – Porto Ordaz, Porto La Cruz, Felicidad. As estradas eram bem construídas, conservadas e sem mato cobrindo as placas em suas laterais. O ônibus subiu morros, serras, cortou cidades até chegar à Caracas, uma capital lindíssima, que me fez lembrar muito o Rio de Janeiro: cercada de morros e favelas por todos os lados. A capital ficava a mais de 700 metros acima do nível do mar, o aeroporto era em outro distrito, próximo ao nível do mar e se subia ou descia em ônibus, os “buccetas”, observando o contraste que existia entre os lindos prédios e as palafitas disputando espaços próximos. O mesmo se via quando os micro ônibus, ou “buccetitas” que deixavam a Estação “Nuevo Circo”, com uma feira ao lado. Viajavam juntos passageiros, galinhas, patos, porcos e bananas, além de outros produtos que fossem adquiridos na Feira. Fiz algumas vezes esse trajeto micro ônibus, os “buccetitas”, quando me dirigia às praias em municípios ou “ciudad” às margens do mar, no litoral, interligados todos por uma sua via de entrada e saída, pela qual trafegavam carros hidramáticos grandes, velhos, mas conservados, consumidores de muito combustível. Na maioria, eram táxis. Os ônibus que se deslocavam para bairros por onde não andei, eram coloridos e musicais em excesso. O hotel era próximo ao Palácio presidencial e, da janela, se podia avistá-lo, mas os limitados recursos limitados da máquina não me permitiam fotografá-lo.

Todos os golpistas foram levados à prisão e perdoados dois anos mais tarde por indulto do presidente Rafael Caldera. Soltos. Alguns abandonaram o exército e ingressaram na política, mas Chávez foi o único que alcançou o posto máximo de presidente/ditador da Venezuela. Sendo originário de família pobre, investiu pesadamente em marketing pessoal e políticas públicas populistas, mas esse evento mudou e transformou radicalmente a vida política Venezuela e a minha também porque deixei de exercer a Editoria Geral de um jornal em Manaus e decidi ingressar, via vestibular, no curso de Serviço Social, um dos mais difíceis para os outros candidatos e um dos mais fáceis para mim que estava há 16 anos sem estudar, só lendo notícias em jornais para os quais escrevia e em revistas nacionais. Leitura geral, constante e disciplinada é importantíssima também para se enfrentar um concurso, qualquer que seja porque cinco respostas erradas ou três parcialmente certas, eliminavam uma questão certa da prova e tudo tinha que ser somado e o total marcado no gabarito de respostas. Dei-me bem e fiquei em terceiro lugar na turma!

Também registrei um fato que me chamou à atenção: em postos de combustíveis da estatal PDVESA o produto era mais barato do que em postos concorrentes, mas muitas pessoas preferiam abastecer nos posto concorrentes pagando um preço um pouco mais elevado, recebiam de graça a verificação de vários itens no carro como limpeza de vidros, verificação do nível do óleo no motor, água do radiador, etc. Coisas fundamentais para quem está em uma estrada. E eram quase sempre um posto em frente ao outro. Maracaibo, a “ciudad” que mais produzia petróleo, ficava em uma ilha cercada de mar por todos os lados e queimava literalmente: pelo fogo das torres de petróleo produzindo calor das chamas constantemente acesas, mas havia brisa. Só se chegava à ilha pegando uma balsa e não fui conhecê-la; apenas tive informações de pessoas que a conheciam e trabalhavam na extração do petróleo no local. Detive-me mais em fazer meu trabalho jornalístico e, por alguns instantes, esqueci totalmente que me encontrava em gozo de férias do jornal.

Sem muita tristeza, ouvi a notícia da morte do presidente/ditador Hugo Chávez. Outros que participaram da tentativa de golpe contra o presidente constitucional Carlos Andres Perez também entraram na política, como Arias que foi eleito governador do Estado de Zulia, depois foi candidato presidencial em 2000 contra Hugo Chávez. Acosta e Urdaneta desistiram de política e tornaram-se críticos das políticas populistas de Chávez, que agora deve se transformar em Deus para os venezuelanos, mesmo destruindo os alicerces do que existia de democracia/política/economia de seu país.

carlos da costa
Enviado por carlos da costa em 06/03/2013
Reeditado em 07/03/2013
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