Da Lógica ao teatro.
Não seria de bom tom iniciar as primeiras palavras de um livro dizendo que me apaixonei enlouquecidamente por um homem. Apesar dos pesares, talvez fosse melhor começar dizendo que sou fã incondicional do Bob Dylan e que, embora tenha um êxtase dionisíaco pós-moderno ao ouvir sua melodia e a de seus instrumentos, com uns graves que são ora timbres de tormento, ora de alívio, não consegui até hoje fixar uma única estrofe de toda sua infinita obra. Dói a mente. Não estou fazendo filosofia e, por isso, não preciso dizer que a expressão “dói a mente” origina um erro categorial, quase como aquele do dualismo de substância. Não estou preso à lógica. Talvez fosse de bom tom começar falando de meu amor frustrado pela filosofia. Em como busquei a libertação dos sistemas axiomáticos que me irritam demasiadamente, para buscar, no pensamento ético, político, e principalmente estético, algum conforto, não me importando em levar em conta a regra da não contradição, de Aristóteles, que era filósofo. Mas eu estava enganado. Era a regra da não contradição fundamental para a coerência de um sistema filosófico. E voltei a me enojar um pouco, e de novo. Senti-me preso, sozinho, mórbido. Até que conheci a lógica paraconsistente. E decidi fazer teatro. Sim, teatro. O que conta é o corpo e não a coerência. Tem certo nível de prisão. Mas o espaço é maior. Poderia, ao contrário, falar da Paulista com a Augusta, e da discussão anti-antissemita no último domingo boêmio, e as consequências dos atos dos imperadores romanos para o nazismo alemão, mas não sei se todos estão com vontade de ler mais uma versão sobre Hitler. Talvez não valesse mais a pena, se é que um dia valeu. Poderia falar de Rubem Alves e, usando suas palavras, dizer o quanto a “saudade é nossa alma dizendo para onde quer voltar”. Claro que a alma não diz e não quer. Mas isso só para os pobres em espírito (de vida). Poderia, ao invés de Rubem Alves, que me trouxe o amor e a esperança, falar sobre Pessoa (o Fernando) que, por Alberto Caeiro, me trouxe a desilusão e nostalgia deste mundo. Como Hermann Hesse, por Clarice, que ambos me trouxeram o tormento incoerente de meus pensamentos. Mas tenho preferido a Loucura, embora com certo grau arraigado de racionalidade. E tenho certeza de que é por ela que deixei, quase sempre, de viver. Mas talvez começasse com algo mais alegre, como a liberdade descompromissada de Kundera ou o cinema clássico de Chaplin que, apesar de tudo, me mostrou o quanto algo pode ser importante para uns e ridiculamente imbecil para outros. E que nenhum deles está certo, nem errado, no fim das contas. Poderia falar sobre isso, ou aquilo. Talvez sobre ontem, ou amanhã. Talvez sobre pessoas, lugares, livros, músicas, ídolos, amores. Mas eu não sei por onde começar.