A MORTE DE ZÉ NINGUÉM.
Por Carlos Sena


 
Acordei vendo a TV divulgar as mortes de Hugo Chaves e de Chorão. Eu nem sabia quem era esse tal de “chorão”, mas, no decorrer do dia vi que era da banda Charles Brawn Jr. Nenhuma dessas mortes me comoveu a não ser pelo fato de que a gente não deve desejar a morte de ninguém, pois todos morrerão mais cedo ou mais tarde, independentes do nosso desejo. Fato é que por essas mortes nem me bateu a “biela”. Bateu-me a “biela”, sim, uma morte anunciada pela Rádio Jornal do Comércio de Pernambuco de um “Zé ninguém”, um “fuinha”, um “popular” – como a imprensa trata os “sem nome”. Pois bem esse “Zé ninguém” ia caminhando com um saco de lavagem (restos de comida que se dá aos porcos) se não me engano numa bicicleta. De repente apareceu um “ladrão” e lhes rouba o saco e ainda por cima lhe deu um tiro que foi fatal. Estendido no chão, o povo ao redor, eis que chega sua mulher que o esperava com a lavagem. Aos prantos ela diz ao repórter que aquela lavagem era para os seus seis filhos. Depois se confirmou que o assassino queria a lavagem para dar aos seus porcos, mas "Zé Ninguém" a queria para alimentar seus filhos. Zé Ninguém tinha trinta anos, uma mulher, seis filhos, um saco de lavagem, um algoz e um país miserável que ele, certamente não escolheu para nascer... No decorrer da entrevista a esposa, por entre prato e lamento, perguntava o que ela iria fazer com seis filhos e sem ter onde morar. Zé Ninguém morava na favela no Papelão, nas imediações do bairro de São José, pois há outra favela com o mesmo nome no bairro do Arruda. Depois o repórter complementou a informação: Zé Ninguém foi morto por dois motivos: por conta de um saco de lavagem que levava para os filhos e porque o assassino teria vendido a ele uma moto véia tipo cinquentinha. O assassino soube que Zé Ninguém descobrira que aquela “moto” que lhe vendera foi roubada e que, por medo dele (Zé Ninguém) dá com a língua nos dentes, o matou... Cena perfeita das periferias miseráveis do Brasil. Brasil de muitas “Chaves” sem fechadura e muitos “Chorões” por causa nenhuma. Por isso nem me lixo para as mortes de Hugo muito menos de “Chorão”... Comoveu-me mais a morte de Zé Ninguém e o choro de sua mulher. Ela lamentava não ter casa (Chave) e chorava sem ser “Chorona”. Lamentava a perda de seu amor que levava comida de porco para os filhos e pelos filhos que com a morte do pai nem comida de porco tinham mais... A gente se deixa levar pela perfumaria da TV e, muitas vezes, deixa de saber da catinga que infecta nossa periferia... Fazer o quê?

Publicado em letra cor verde, pela esperança que nunca pode morrer.