Á noite, ele não vem.
À noite, ele não vem. Eu tento, tento, e nada.
Ao invés dele, vêm as mais inadequadas tentações.
Que deixam o coração acelerado, os olhos arregalados, o corpo absolutamente inquieto. Como se estivesse fritando em cima da minha própria cama, primeiro de um lado, depois do outro, fico assim até estar cozida e não durmo. Porque à noite, tem tudo, menos sono.
Ao contrário, tem a ansiedade pelo dia seguinte, pelo próximo mês, pelo ano que vem.
Então, acendo a luz, desligo a TV e percebo que assim será pior, e aí desligo a luz e acendo a TV. Depois desligo tudo, mas eu pareço não desligar, porque ele não vem.
Vem ela, senhora da noite que ocupa cada segundo do relógio e me desespera – já são 3.
Ela não me deixa ir e parece me segurar com toda a força, como se precisasse de mim: a insônia.
Estou tão vulnerável que o próprio substantivo me distrai e lembro uma velha teoria minha, tão besta e tão certa.
Os gêneros não são aleatórios. O feminino sempre completando o masculino, na mesma medida em que o opõe.
O sol? – a lua.
O dia? – a noite.
O lápis e a caneta, o prazer e a dor, o escuro e a cor, o lençol e a fronha, o sono e a insônia.
São 5 agora.
Eu preciso dele mais que tudo. Preciso do seu peso, do seu cheiro, do seu embalo. Mas ele me deixa à deriva.
Nas mãos da impiedosa.
Aposto que amanhã ele virá. Quando eu pouco precisar.
Chamo baixinho, com cuidado, para ver se ele atende. Vem, meu amor. Você chegou para a cidade inteira, Por que não chega aqui?
Todas as janelas apagadas me informam da sua presença nos quartos alheios.
Pegou as crianças e entregou-lhes aqueles sonhos bons que depois não acontecem mais.
Embalou as senhoras com um teor que eu ainda não conheço.
Levou todo mundo, menos a mim.
E agora são 6, preciso ir.
Não me incomoda o desencontro porque não tenho tanta escolha.
Amanhã, te espero no mesmo ponto.
No mesmo lugar, à mesma hora, é só chegar, sem segredo, sem senha.
Espero que você venha.
Sono querido.