Carona
Conheço muita gente que detesta dar carona. Mas quem deteste pegá-la... Claro, também há o tipo de gente que não se sente à vontade em incomodar os outros. Isso não é raro. Mas a pessoa a quem quero situar nesta questão realmente detestava pegar carona. Convivendo-se com alguém cerca de dois anos num pensionato, dá para se descobrir um pouco de sua idiossincrasia. Uma vez, próximo à Almirante Barroso, estávamos os dois atrasadíssimos para o trabalho e o ônibus da empresa onde trabalhávamos já havia passado. Pedi a este amigo para ficarmos num ponto arremedando esquina de onde tinha certeza que avistaríamos algum veículo seguindo para o nosso destino. Simplesmente ele tomou o lado oposto a fim de pegar ônibus da linha. Logicamente cheguei à empresa primeiro que ele.
Fiquei intrigado. Tudo bem que se evite carona quando se tem tempo a perder, mas, no caso dele, aquilo não se justificava. Logo ele que era um tremendo caxias. Sempre achei que todo mundo detestasse andar de coletivo, até conhecer aquele sujeito. Bem, como sua mania se repetisse, um dia ousei averiguar sua preferência. O que fui de sutil na formulação da pergunta, ele o foi de objetivo na formulação da resposta: “não gosto de pegar carona porque sou obrigado a jogar conversa fora com o motorista ou com outros passageiros. Na maioria das vezes, tenho de falar sobre assunto que não me interessa, noutras, até rir de piada sem graça; no ônibus, como paguei, tomo meu assento, fecho a cara ou fico com ar de psicanalista, aprecio o itinerário e não sou obrigado a, sequer, dar bom dia a quem estiver ao meu lado; se não houver assento disponível, mais leveza sinto para ficar como uma estátua.”.
Quando comprei meu carro, ainda em Belém, ficava hesitante em lhe oferecer carona _ já estávamos morando separados havia algum tempo. Por respeito a meus princípios humanitários, ainda insisti com ele por três vezes. Nas duas primeiras ele me olhou como a perguntar se eu era um desmemoriado. Na terceira aceitou. O clima, até o término do percurso, foi constrangedor. Ele não disse uma palavra. Talvez sua atitude tenha sido proposital para que eu me lembrasse de nunca mais importuná-lo com caronas. Imagine: eu importunando alguém, não por pedir, mas, por oferecer carona!
Também aquela foi a última vez que me portei como um “chato”. Outrossim, devo admitir que, hoje em dia, quando dou carona a alguém, geralmente a quem me pede, deixo que o indivíduo inicie a fala. Quem sabe o tal se sinta menos propenso a se entediar durante o percurso. Mas confesso que quem tem se sentido entendiado ultimamente dessa mania de carona sou eu. Ah, se todo mundo pensasse como meu amigo Leopoldo!
* Crônica publicada no livro ROTA MACAPÁ/BELÉM - Crônicas e contos/Scortecci