História de Bebedouro

To aqui trabalhando que nem camelo, já tá me dando nos nervos ficar apenas sentado nesse biombo. Quer saber de uma coisa, vou ali tomar uma água.

Vou até o bebedouro mais antes, cutuco meus companheiros de biombo, faço gracinha com as moças, aposto que elas gostam hehehe. Sou um cara gentil.

Tanto fiz que uma delas, a Nora resolve ir tomar um gole comigo, compartilhar esse bem de valor inestimável da natureza.

Damas primeiro, afinal de contas sou um cara gentil. Qual vai ser Nora? – Gelada por favor. – Humm, vc quem manda!

Aiiiiiii!

- O que aconteceu? Eu pergunto

- Tá gelada demais essa água, meu cérebro congelou!

Sem perceber começo a rir, ela nem olha, fica ali na minha frente se remoendo com a mão esquerda na nuca.

- Sabe que quando era guri, aconteceu isso comigo também. Estava lá com meu pai, um calor pegado de quente. Ai ele me deu água gelada e disse: - Toma de vavagar!

Como eu era uma boa criança não obedeci ele e mandei pra dentro de uma vez só. Na hora minha cabeça parecia que ia explodir! Meus olhos pulavam, como se fossem a batida do coração, eles ardiam, minha nuca dava choques e mais choques, falando sério, me deu até suadoro.

Quando a dor alucinante diminuiu e pude olhar pra cima ele estava lá, rindo e rindo da minha cara.

Eu ali, todo sem noção, como se tivessem me dado uma paulada e ele rindo.

- Eu disse pra você beber devagar essa água gelada.

Pedi desculpa e ele me repreendeu.

- Desculpa por quê? Eu avisei pra tomar devagar, você não pensou duas vezes e tomou do jeito que achou melhor, pois bem, sofreu as consequências.

E naquele dia eu aprendi a minha lição. As vezes não é legal ir tão diretamente nas coisas.

Enquanto eu falava a Nora pegou seu cigarro, acendeu, deu um forte trago e disse:

- Engraçado, com o cigarro isso não acontece né, eu dou um puta trago, coloco nos meus lábios, passo a língua, aperto com as mãos, seguro bastante tempo a fumaça na boca e não engasgo nem sinto nada.

Ali na hora eu concordei com ela, fiquei até encucado com aquele questionamento, logo depois larguei mão e voltei pro meu biombo.

Dois anos depois, lá estava eu no meu biombo, agora com um pouco mais de espaço, a empresa resolveu cortar gastos e mandou meu vizinho pra rua. Agora trabalho dobrado, se quiser tomar água, pego da garrafinha que está ao lado do meu monitor.

Meus vizinhos mudaram, alguns apenas, outros foram promovidos, alguns ficaram doidos, entraram numa aventura de cuidar dos animais, proteger eles, parar de comer carne, apenas folhas e legumes. Eu adoro uma carninha, um pouco mal passada. Não tenho peso na consciência porque sei que a carne tem vitaminas importantes para o funcionamento do organismo. Além do mais, tenho que preparar alimento para os vermes que vão me comer quando eu morrer né.

Falando em morte, a Nora faleceu! Faz dois meses já. Ela estava bem, mais ai do nada apareceu um câncer, no pulmão, foi coisa muito rápida, em cerca de seis meses ela já nem falava mais. Lamentável.

De vez em quando eu me lembro daquela nossa conversa no bebedouro, as risadinhas, alguma coisa ali dava sinal que iria dar problema no futuro.

Leonardo Laprano
Enviado por Leonardo Laprano em 04/03/2013
Código do texto: T4170500
Classificação de conteúdo: seguro