Dersu Uzala e Nós
Dersu Uzala desceu das montanhas e achou que podia ter na cidade a água que bebia de graça lá em cima. Não entendeu quando quiseram lhe cobrar por um copo d’água.
Vale aqui dizer que Dersu Uzala (A Águia das Estepes) é um filme japonês, do grande Akira Kurosawa, baseado no livro de Vladimir Arsenyev, que “conta a história de um explorador do exército russo que é resgatado na Sibéria por um caçador Goldi (Dersu Uzala) que passa a servir-lhe de guia, dando início a uma forte amizade”.
Quando Dersu vai para a cidade, levado por seu amigo explorador, confronta-se com a vida urbana, sendo inevitável o questionamento dos “diversos padrões da sociedade”.
Tal como Dersu deve ter pensado, há coisas que realmente não se entende. E não se vai entender nunca, embora a gente vá tentando sufocar esse lado Dersu Uzala que carregamos dentro da gente.
Se uma pessoa é gravada (filmada ou fotografada) assassinando outra ou cometendo um crime, havendo irrefutáveis testemunhos do fato, e se essa gravação é levada a todo o país pelas redes de TV, como é que ela ainda vai a julgamento? Sei que os juristas considerariam esse raciocínio um sacrilégio. Mas não seria o que intuitivamente pensaríamos? Pelo menos alguns de nós, como eu, que não somos juristas?
Se existem provas claras, contundentes, inequívocas de que essa médica em Curitiba, por exemplo, levou à morte certo número de pacientes internados em UTI’s, sob o pretexto que fosse, isto é, com SUS ou sem SUS, em sendo condenada, como é que ela ainda poderia ter direito a sursis, se fosse ou se for o caso? Por não ser reincidente em crime doloso? Por atenuantes como culpabilidade, antecedentes, conduta social, etc. que autorizassem a concessão do benefício? E outras alegações, todas “previstas e reguladas pelo Art. tal e ss. do Código Penal”? (Não me perguntem o que é ss. porque não sei.)
Como é que ainda existe um advogado para defendê-la? Ele não deveria ser igualmente preso? Por defender um criminoso declaradamente culpado?
Bem, mas existe o contraditório, o amplo direito de defesa garantido a todos pela prática democrática, a consistente jurisprudência sobre a imputabilidade da pena, etc. Todas essas mazelas, enfim, da vida social que nos ajudam a conter o impulso por uma justiça mais plena que carregamos com a gente. Não vale o que estivermos sentindo, mas o que estiver escrito e por todos referendado. O criminoso deve ter toda possibilidade de defesa, devendo somente ser condenado quando ela estiver esgotada. Ainda que esteja mais do que esgotada a comprovação de sua culpa.
Essa é a nossa vida social, a vida urbana, que talvez Dersu Uzala confundisse com mundana, se ele soubesse o significado do termo.
Rio, 04/03/2013