VESTE UM CASAQUINHO, MINHA FILHA.
Seu nome era Amaralina...Mas todos à conheciam por Noca. Creio que com o tempo, até ela mesma esqueceu seu próprio nome, pois o achava feio...Era uma mulher baixinha, gordinha, com um temperamento muito forte. Teimosa, corajosa e birrenta, porém sempre pronta para auxiliar quem precisasse. E era minha avó materna. Avó e mãe, pois muito contribuiu em minha educação. Viúva e analfabeta. Não conheci meu avô, mas jamais esquecerei o dia em que ela abriu um enorme baú cheio de livros e cadernos, e disse: - Minha filha tu puxou ao teu avô. Ele era professor e vivia enfiado nos livros. Se tiver alguma coisa que gostares aproveita. Meu Deus! Naquele baú havia um mundo encantado! Ali conheci Dom Quixote, Dom Casmurro, Iracema e tantos outros...Ali estavam os livros de chamada, com os nomes dos alunos de meu avô, inclusive de um menino chamado Alvino Martins, que futuramente seria seu genro, e meu pai...mas isso é outra história. E minha avó era analfabeta! Como é possível isso? Era a pergunta que martelava em minha mente, até que decidi tentar alfabetizá-la! A resposta veio na hora! -Nem pensar minha filha! Teu avô morreu tentando fazer isso e nunca conseguiu porque eu não quis, por isso não vai ser agora que vou pegar no lápis pra fazer tuas vontades,e agora descansa um pouco essas vistas que estão vermelhas de tanto ler, e veste um casaquinho, pois tá esfriando. Assim era minha doce e selvagem Noca, a avó linda que me acalentou e cantou pra mim dormir. Físicamente não pareço com ela, mas, sempre que falo certas frases e alguém diz que incorporei a Noca, sorrio feliz e orgulhosa. Lembro da célebre "veste um casaquinho", cada vez que eu me preparava para sair, mesmo que estivesse um calor de rachar. Lembro também que ficava enfurecida com fofocas, e por isso quando alguém vinha lhe perguntar algo sobre a "a vida alheia" ela respondia: - Não cuido da vida dos outros pois já tenho muito trabalho pra cuidar da minha! E também "Seja Feliz" que ela repetia sempre, quando eu saía, mesmo que fosse para ir até a esquina.
Amaralina (nome lindo, de uma bela mulher) faleceu em 1998 com 90 anos de idade. Lembro que eu (sou sua neta mais velha) e meu primo (seu neto mais velho) ficamos abraçados em frente ao seu túmulo, na cidade de Pelotas, e na hora que cobriram o caixão, falamos ao mesmo tempo: Seja feliz! Nos olhamos, chorando e rindo ao mesmo tempo. Bem...quanto as frases...eu as uso sempre!
Estejas onde estiveres, Vó, Noca, Amaralina! Seja Feliz!