Foi nessa noite...

Ontem à noite, já cedo me sentia sonolenta, apesar de ter dormido a tarde inteira. Segurei o sono até onde pude e antes das dez finalmente rendia suspenso meu corpo ao cansaço interno e psicológico da vida. O instante emudeceu. Meu quarto representava o futuro breve, como uma premonição. Então fui tomada de uma realidade dura e inesquecível: em um momento comum, esses que a vida não lembra nenhuma magia, acostumados com a rotina, numa sala conversando com minha irmã quando de repente, a cor escureceu. Acontecia algo no céu. Era o fim do mundo. Lembramos por um instante de pessoas amadas, mas não ousamos tocar no nome delas. A conformidade que sentíamos superava de longe o medo. Já estava previsto desde que fato é fato. O mundo ruía. Em lugar do sorriso comedido das pessoas, o caos. Em lugar das ruas asfaltadas, buracos e caos. Em lugar das maravilhosas invenções tecnológicas, o escuro absoluto, lixo e caos. Por um segundo eterno tudo me era possível ver. Não havia um homem sequer são. Corriam sem rumo, gritavam balbuciando, não tinham maturidade para aceitar a incompetência de controlar aquilo que não nos cabe: o destino.

O correr do rio. O andar lento das girafas, o olhar curioso dos macacos. O livre rastejar das cobras. Nada disso nos cabe, mas nos remete a sensação de expectador da vida. Um pouco menos que isso. Assim eu orava por paz diante as lágrimas desesperadas. Podia senti-los. Sofria porque ali estava a resposta que por tanto tempo insistimos em cobrar. Eu apenas me resignava. Pensava feliz nas pessoas que haviam construído minha estrada, aquelas queridas faziam parte de minha lembrança também despedaçada. Era o fim.

O que aconteceu depois deu pane e não pude lembrar. Sei que acordei às 6 da manhã, ao abrir a janela vi o céu cantando, os pássaros anuviados. Tudo estava em seu devido lugar, que dia lindo! Meu ‘bom dia’ foi resposta ao quintal que cabia apenas um quase nada da beleza de tudo. Toda harmonia. Bom dia passarinhos, bom dia nuvens! Bom dia plantas, terra, animais! Tratei de tomar um banho frio e fazer o primeiro cigarrinho do dia. Estava ilhada numa tranquilidade devastadoramente boa. Soprava fumaça para alto ate vê-la difundir com a brisa do sol e do vento. O dia havia de ser tão lindo quanto a água molhando a grama. É tudo que podemos: Respirar contemplando. Viver sentindo...

O sonho aconteceu de fato, prova maior são as sensações, até premonitório se há de acontecer. Mas enquanto o presente for brisa, tratarei de emocionar com o beija-flor, a lua e o nascer do sol. Porque tudo passa e uma hora a rotina estanca. Até lá terei arriscado a sanidade em favor da grande explosão que é perceber a humanidade. Essa sim dói.

Shauara David
Enviado por Shauara David em 03/03/2013
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