Mesa redonda

 
Corriam velozes os dias de infância... Pés descalços, cabelo trançado (rebelde como eu... “Sempre escabelada”, dizia minha mãe), vestido de algodão rodado, olhos curiosos, ouvidos atentos...

Coversa de gente grande... disfarçada, escutava. Foi assim que soube da mesa redonda, novidade vista num filme: uma parte fixa e uma parte central móvel.

Vieram os marceneiros. Desenhos... Palpites... Explicações... Mais desenhos... Mais explicações.... Uma tarde inteira só para isso. E silêncio absoluto sobre a tal mesa redonda, que chegou a cair no esquecimento.

Até que um belo dia lá estava ela no centro da sala de jantar, substituindo a retangular, velha, cheia de cupim (disseram). Cheirinho bom de madeira nova!

Crianças reunidas ao redor da mesa, olhos argutos, para a demonstração do funcionamento (e precisava?): a parte móvel (mão adulta, poderosa, a fazia rodar) para os pratos com alimentos, jarra de água, o que seria comum para todos; a parte fixa (toc! toc! toc! dedos de mão adulta, sábia, soavam na madeira) para os pratos, talheres, copos, enfim o que seria individual (“Mãe, o que significa “individual”? “ Particular, de cada pessoa”, Carlos”).

Foi a rainha das férias a mesa redonda.
Não faltaram as brincadeiras. “Mãe, o Pedro rodou a mesa, fiquei com a colher do feijão na mão”. “Mãe, a mesa não para, não consigo me servir.”

E a mesa redonda, soberana... atração na cidadezinha... desculpa para visitas... assunto nas rodas de chimarrão...
 

Depois de muito tempo, vi-a num canto, abandonada, sem atrativo nenhum, uma mesa redonda como muitas...

Mas as vozes que a receberam naquela tarde de um janeiro longínquo, essas voltaram vivas, persistentes, imutáveis...

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