As rotinas do amor...
Por Carlos Sena
Por Carlos Sena
Os casais reclamam da rotina. Que rotina incomoda tanto os casais? Como entender o humano tão corriqueiro: se tá casado quer separar, se tá solteiro quer se casar. No namoro há um texto; no casamento pretextos. Será que o que mata as relações é mesmo a rotina ou a retina desfigurada da realidade ensimesmada?
No chão um pingo de xixi; na cama toalha molhada. Calcinhas penduradas nos penduricalhos do banheiro. Tubos de creme dental amassados pelo meio, restos de barba sobre a pia, papel higiênico fora do sexto de lixo... Que mais poderiam acabar virando rotina entre casais? Um arroto na hora do jantar, uma calcinha ou cueca com marcas de “freio de bicicleta”. O arrasto da cadeira, a bitoca de cigarro no recanto da sala... O que não se fala quando a rotina se impõe aos casais? Dormiu fora e não avisou. Batom na camisa, confiança amarelou. Telefonema dentro do banheiro. Código em cochicho. Hora do dentista. Ligar para o analista. Hora do futebol. O barzinho da esquina sozinho ou desacompanhada. Feira. Supermercado. Grosso ou atacado. O que rotiniza a vida dos casais? O dinheiro tá curto. A mulher ganha mais que o marido. O marido é bonitão e mais jovem. A mulher não sabe cozinhar... O que reserva ao casal para se separar?
Levar o filho à escola. Tomar a lição diária e a tarefa a fazer. Quem faz? Pergunte à sua mãe. A mim não, pergunte ao seu pai. Fulano, seu filho que ir à balada. Não me pergunte nada que o filho é seu... O filho é seu, mas o filho é nosso...
Como se pode decretar o fim da rotina? Um amante, uma concubina, um ficante ou uma vagabunda de quinta... Requinte ou baixaria seriam ingredientes de uma rotina nauseante?
Um gole de cerveja, uma camisa com amassos de ontem... Nem me contem. Um cineminha ao cair da tarde sozinha, um dentista no meio do caminho... Uma pista? A descarga da suíte não funciona, nem mais ele. O café da manhã na cama inexiste – nem mais ela. O sol adentra no quarto no rosto dele e ela deixa. A hora do trabalho dela excede e ele nem liga... Que será que mata o amor no codinome de rotina? A pia cheia de prato, a cria sem ter mais trato. A conta do banco desbanca. O sexo "papai com mamãe"? Enquanto no banheiro a cueca suja de “freio de bicicleta” continua. O pingo de xixi ainda pinga. Falta o quê? O peido dentro dos lençóis... Eita nois! Também o chulé. O absolvente usado por ser jogado no lixo. O banho demorado. Os amassos esquecidos no deitar e no levantar e debaixo do chuveiro. O choro do guri e seu xixi... A dor, a febre, o pimpolho de molho ente as pernas do casal... A tarefa da escola. O almoço na casa da sogra. O telefonema da outra... Ou do outro. O carro que só fica com ele. Ela que não sabe dirigir e quer comprar um carro. O sarro com o colega da faculdade. A vingança maligna do afeto perdido nos meandros da rotina de dois que um dia se amaram, mas que se esqueceram de que juntar escovas dá “tártaro”...
Não há mais prosa. Nem com a sogra que bajula. Nem na jaula do cãozinho que vive aberta para visita intima... Ilusão de ótica. Alusão de ética interpessoal. Moral desabitada de certeza: nem falsa nem verdadeira. Isso soma rotina de casal? Palavras que se repetem. Afetos que não se repartem mais... Ela sabe que dentro do banheiro o marido se masturba. Ele sabe que quando ela está sozinha usa o vibrador... Mas ele não gosta da possibilidade do garotão do apartamento vizinho deitar com ela em nome do vibrador...
Na feira do supermercado ela não bota mais barbeador. Na conta do mês ele dá sempre menos grana do que deveria. No dia do aniversario dele ela se lembra mas esquece de propósito. No dia do aniversario dela ela fala sozinha à mesa: quando eu era solteira ganhava rosas e você me levava ao motel... Ele responde: se mamãe fosse nova eu andava escanchado nela, não precisava comprar automóvel. Automóvel? Amanhã você precisa levar seu filho à escola. Que filho? O nosso. O meu contigo ou o meu com a vizinha? Que fazer pra acabar com a picuinha da rotina das relações?
Repito-me em consciência:
no namoro há um texto; no casamento pretextos. Será que o que mata as relações é mesmo a rotina ou a retina desfigurada da realidade ensimesmada?