O HÓSPEDE DO LIMOEIRO
Por: josafá bonfim
Nasci dentro de um comercio, mas nunca tive pendores para tal atividade. Por ser o mais velho dentre os irmãos, meu pai tentou me enveredar no ramo, mas cedo viu que a coisa não era pra mim. Quando se descuidavam eu ia saindo de fininho deixando a atribuição para o primeiro que aparecia. Todo serviço eu topava, - de espanar prateleira a carregar caixas - menos, encarar o balcão.
Na década de 1960, duas moças primas de minha mãe, costumavam passar dias lá em casa. Fizeram amizade conosco, e sempre me convidavam para eu passar as férias em sua casa; numa cidade vizinha bem mais evoluída que a que morávamos. A vontade de ir era imensa, mas minha mãe relutava em permitir, por achar que eu era muito criança e ainda não tinha costume de me afastar da família. Sempre dizendo-me: "quem boa ave Maria faz, em sua casa está em paz". Tinha algo por volta de nove anos de idade naquela fase. Com a insistência das primas, e em face minhas boas notas na escola, a velha terminou um dia permitindo a viagem.
Ali chegando fui muito bem recebido por todos, mas notei certo descompasso: as moças eram falantes, se vestiam bem, usavam joias caras e produtos da moda, mas em casa a coisa mudava de figura. Um casebrezinho acanhado, piso de chão batido, sem mobília e mal conservado. Uma moriçoca de fazer dó. O único atrativo ali era o vasto quintal, com algumas plantas, onde tinha um frondoso pé de limão, que de tão carregado, os galhos tocavam o chão, derramando sobre este, inumeros frutos maduros.
Percebia-se que a condição financeira da família não condizia com a pompa que apresentavam as filhas. Mas, tudo bem, afinal minha intenção, não era outra, senão, brincar com novos amigos e conhecer a renomada cidade.
No terceiro dia de estada, no café da manhã, a mãe das moças e dona da casa, se aproximou me perguntando se eu tinha costume com vendas. Entendi como sendo venda de balcão em mercearia. Disse que tinha sim: quando ajudava meu pai no comercio. Ela então complementa: - pois amanhã tu vai vender um negocio pra mim. Disse a ela: tudo bem. Não dando muita importância ao fato.
No dia seguinte fui acordado bem cedo e quando terminei de tomar uma xícara de café, a velha vem e põe em minhas mãos uma grande bacia repleta de limões graúdos, colhidos no majestoso pé do quintal da casa. – Olha meu filho, venda esses limões na rua, ao final lhe dou um trocado. Ô moço... foi mesmo que ser colhido por uma descarga elétrica. Era só o que me faltava, após aqueles dias de desconforto. O que fazer?. Jamais teria coragem de me negar ao pleito. Olhei para as moças na busca de qualquer auxilio... elas simplesmente desconversaram e foram se levantando. Lá do quarto um irmão delas, que só vivia embriagado; numa ressaca monstro, reforça: - vá rapaz e ver se volta logo porque tô querendo sair antes do meio dia.
Com o cerco fechado não tive outra alternativa: botei na cabeça a bacia (que mais parecia uma banheira) e me danei rua acima, me maldizendo e arrependido da hora em que aceitei o convite para o malfadado passeio.
Morto de vergonha, vacilante, ia escolhendo casa para oferecer a mercadoria. Já estava cansado de ouvir: não; não, nós já temos; passa depois. Nas casas de melhor aparência, não encostava por ficar com vergonha, e as mais simples, nunca tinham dinheiro disponível pra compra. Ensaiei gritar bem alto: oooolha o limããããão!! Mas desisti encabulado.
Ô missão difícil... Um transeunte, observando meu vexame, minha falta de traquejo, aconselhou-me procurar venda no Mercado Municipal, que ficava a uma considerável distancia, mas dava pra ir a pé.
Enfim, uma luz acendeu... Informaram-me o roteiro e me taquei pra lá. Após um longo percurso, morto de cansado, com sede e o suor escorrendo no mocotó, cheguei ao tal mercado. Era gente pelos borbotões... lama por tudo quanto era lado. Sem noção de nada, desconfiado, fui tomando chegada, encostando numas bancas descobertas, onde vendiam frutas e legumes. Fui me aproximando de um dos feirantes, como quem não queria nada, querendo. Que foi logo dizendo: -rapaz, tu anda com quem? Aqui não é lugar de menino, não. Fiquei todo desconcertado, engolindo uma vontade reprimida de chorar. Alguém mais percebeu a cena. Mergulhado na angústia, já estava decidido retornar pra casa, quando um outro feirante, olhou minha aflição e de maneira cordial, fez gesto positivo com a mão, e procurou saber mais a meu respeito. Contei a ele minha aventura. Ele então disse: rapaz, já ouvi falar nesse moço seu pai, e você não tem necessidade disso não. Disse, pegando minha bacia colocando em cima de sua banca. -Pode vender seu limão ninguém vai impedir, concluiu. A partir daquele adjutório as vendas passaram a deslanchar. Um verdadeiro alívio. Meus olhos, antes marejados, ficaram radiantes de contentamento. Parecia ter caido uma dádiva sagrada.
Enquanto ia vendendo imaginava: se alguém da minha cidade passar agora aqui e me ver nessa situação, a gozação vai ser muito grande. Quando viro de lado, tamanho foi meu sobressalto: vi numa banca em frente a que me encontrava, uma conterrânea falastrona fazendo suas compras. Não vi a hora em que me abaixei disfarçando, enquanto a senhora saia. Até imagino que o feirante tenha percebido, mas deixou pra lá, talvez para não me causar mais constrangimento.
Na banca ao lado alguém também vendia limão. Pelo fato do meu ser de melhor qualidade, foi saindo com mais rapidez, o que deixou o outro vendedor aborrecido, olhando sempre pra mim com um olhar desaprovador. No que fiz de conta não ser comigo.
Não demorou, toda minha cota tinha sido vendida. Agradeci a gentileza do prestativo feirante, perguntando quanto lhe devia. Disse não devê-lo nada, me orientando que voltasse o quanto antes para a casa de meus pais.
Ao ver-me chegar em casa com a vasilha vazia e todo o dinheiro da venda, a velha se mostrou prazerosa: eu não disse que ele dava conta. Esse menino é inteligente... amanhã ele vai voltar de novo e vender mais limão.
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Pensam que fui? Na- na- ni- na- não. Por sorte extrema passou naquela casa à noite, um primo meu que morava naquela cidade, para tratar de um certo assunto. Foi a oportunidade que precisava. Implorei que me levasse o quanto antes dali, explicando-o toda epopéia. Num instante ele convenceu o pessoal que me levaria pra passar um dia na sua casa e logo me traria de volta.
Fui, e foi a última vez que me viram.
Sai de mim, jacaré!.
São Luis/MA, 02 de março de 2013