O bruxo e a minha pesquisa


 
 
 
            Os amigos  sabem que tenho duas paixões públicas,  que não verdade são três: paixão pelo Rio de Janeiro, pelo Brasil e pelo Flamengo, não necessariamente nessa ordem, como diria o humorista. Claro, há outras paixões embutidas, mas estão na ordem privada e não as revelo...
            Estou dizendo isso porque comecei a fazer uma pesquisa sobre o grande Machado de Assis, procurando seus escritos mais antigos, aqueles menos conhecidos. E por que faço isso?  Nenhuma vaidade cultural, somente para conhecer mais sobre o Rio de Janeiro antigo, através das crônicas do “bruxo” do Cosme Velho. Sabe-se que o Machadinho, como era conhecido,  tinha como ambiente permanente de seus escritos a cidade do Rio de Janeiro. De família humilde, mulato, nasceu no morro do Livramento, caso não esteja enganado, no bairro da Saúde, zona portuária do Rio. E de quebra é mais uma homenagem que prestamos ao escritor insuperável.
            Devo alertar o leitor que jamais faria um mergulho profundo nessas águas, procurando pérolas do nosso maior escritor.  Não tenho temperamento para isso e me contento com algumas descobertas, para logo abandonar a empreitada e partir para outros interesses. Sou geminiano e inconstante. Na verdade, estou aflito para contar aos amigos e amigas o que descobri no que se refere à mediocridade atual da música brasileira, fato que toda pessoa normal vem notando. E também, como bom acréscimo, passar adiante o lado bem irreverente e irônico do Machado de Assis, no tempo em que ele escreveu nas redações de jornais. Tão diferente do homem sério da Academia Brasileira de Letras.  Esse tempo é que é pouco conhecido.
            Estava eu lendo os textos do Machadinho, em uma biblioteca pública aqui da minha cidade, quando me deparo com uma curta crônica, deliciosa por sinal, do ano de mil e oitocentos e lá vai fumaça.  Não sei se já falei que estou na minha fase humorística.  Sim, estou! Daí essa minha crônica.  Mas vamos lá, apresso-me em contar.
            O Machadinho nos conta que foi ao Mercado da Glória e teve a maior surpresa da vida dele.  É que lá dentro do Mercado, na verdade, havia um governo diferente de todos os governos que podemos imaginar.  O povo daquele lugar pagava os impostos pessoalmente ao Ministro das Finanças. E aquele que pagasse em dia, ou adiantasse o pagamento, tinha o direito de ter um título acrescido ao seu nome. Por exemplo: O Sr. Manuel da Silva teria direito ao título pontualíssimo. Assim, passava a assinar como Manuel da Silva Pontualíssimo. Claro, havia outros títulos: liberalissimus, dedicadissimus, etc.
            Era um povo ordeiro e jamais havia entrado em guerra.  Mas o que me chamou a atenção foi na música desse povo. E pelo trecho de música que o nosso escritor menciona não tive mais dúvidas de que a vida tem ciclos inevitáveis e é um pouco como a maré do mar: Vai-e-vem.
            Ao ler o trechinho da polca, tremi dos pés à cabeça. E o leitor me dará razão e, tenho certeza, fará logo a associação devida. O Machadinho chegou até a comprar  a letra da música, que, a certa altura, diz assim:  “Redondo, sinhá! Quebre, minha gente! Remexa tudo! Ui, que gosto! Estás aí, estás mordido! Gentes, que bicho é este?”
             Qualquer semelhança com o que estamos vivendo, 150 anos depois dessa polca, relatada pelo Machado de Assis, não é pura coincidência.
            Fiquei com a impressão que de 150 em 150 anos, o germe da mediocridade aflora e temos que aguentar. Essa a minha tese, depois do que descobri. 
            Ui, ui, ui, só me resta parar por aqui e me despedir (a praga pega...)
            Acocha malungo! Batecum Jererê! Acocha com força! Batecum Jererê!
 
 
  Nota:  A crônica de Machado de Assis,  de onde retirei a letra da música, está no livro
            Coleção Melhores Crônicas, de Salete de Almeida Cara.