Pão Duro
Azambujanra não conseguia dormir, destilava a cachaça tocando piano: Os noturnos de Chopin.. Já era uma hora da manhã e a sua irmã mais nova reclamou da zoada do piano.
- Hoje eu não vou comprar pão – disse Azambujanra.
- Isso é um inferno! Vai dormir, homem, com essas modinhas do tempo do ronca. É enchendo a cara de cana todos os dias, não adianta a doutora Adriana receitar defunto, vai morrer – disse a irmã caçula.
Azambujanra comprava sempre pães do dia, mas a sua amiga nutricionista passou uma dieta hipopurínica proibindo carnes vermelhas; peixes (cavala, arenque, sardinha, atum e salmão; vísceras ( fígado, miolo, rim e coração de boi ou de galinha); molhos industrializados...; crustáceos ( camarão, lagosta, caranguejo...); sopas industrializadas; cogumelo, espinafre; chocolate; ovos...
Bem, Azambujanra ficou preocupadíssimo com a taxa de glicose em seu sangue e um pouco com a abstinência daquilo o que ele mais gostava quando ia à praia de Candeias: os peixes e crustáceos, agora proibidos. No tocante ao consumo moderado, ele se animou com os alimentos protéicos: peixes (com exceção dos proibidos), queijos, iogurtes; feijões; pães, bolachas... Orientado pela nutricionista a comer sempre que possível soja em grão ou proteína texturizada de soja e, comer todos os dias, uma castanha do Pará . Evitar frituras... Manter o peso ideal. Na hipoglicídica, na atenção nos rótulos, etc.
- Azambujanra pensa que eu sou da época dele. Eu sou de Xuxa pra cá!
- E eu sou da época de Xuxa (escrivão de polícia, anos 50) –disse Azambujanra.
Enquanto a sua amiga se referia a Xuxa Meneghel, muitos risos e reminiscências foram contadas. Conversar com Azambujanra, é chorar de rir, só conferindo. À medida que contava os cuidados com os alimentos “light”,o pão dormido... Realmente ele era um verdadeiro ator. Por exemplo, quando comprava os pães do dia os balconistas da padaria o tratavam de doutor:
- Diga doutor , quanto?
Quando passou a enfrentar filas para comprar pão dormido:
- Trouxe o saco?
- Não!
- Na próxima traga.
O tratamento mudou, e em nome da verdade Azambujanra era advogado, mas não era filiado à OAB, portanto não advogava. Também se formou só para dar incentivo aos filhos e não ligava que o chamassem de doutor. Notava que estavam pensando que ele não era porque não andava de paletó. Andava simples, mais de bermuda. Para alegria dos “amigos”:
- Doutor Azambujanra – chamava os seus amigos, um deles conhecido como mão-de-vaca, apelidado por ter a mão direita aleijada.
- Uma cerveja para o doutor – dizia mão-de-vaca.
Na ausência de “Mão-de-vaca”, diziam que nas igrejas católicas ele colocava nas “Ofertas” uma moeda de um cruzeiro com a mão direita aleijada e, com a esquerda, retirava com um biliro importância superior à que colocava.
- Esse aqui é do santo, e esse aqui é de mão-de-vaca.
Azambujanra era um homem revoltado porque escrevia pra quem? Para Getúlio Vargas, Etelvino Lins, Agamenon Magalhães, Garrastazu Médici?, todos falecidos igualmente aos vivos analfabetos, ignorantes de esquerda, direita e centro.
- Lá vem “Pão duro” – disse o balconista da padaria Nossa Senhora.
- Tá lascado!
- Esse homem ganha bem, não há necessidade pra isso.
- É um pão duro! – disseram os pobres da fila que chegavam na madrugada.
- Tá fudido, um homem branco, pirangueiro...
Final da história, hoje Azambujanra deixou de enfrentar fila e voltou a comer pão do dia pra não ficar “francês”. A irmã caçula deixou de reclamar, culpando Azambujanra por não ter conseguido emprego. Uma vez Azambujanra chegou a dar um murro no birô, quebrando o vidro que ficava em cima, protegendo o mapa do Brasil. Pensou no mestre José Amaro, personagem do livro“Fogo Morto”, de José Lins do Rego quando ouvia o gemer da filha Marta. Batia com mais força na sola. Hoje Azambujanra deixou de beber e fumar, independentemente de AA, religião, etc. E de vez em quando alguém agora pergunta:
- Cadê “pão duro”? Nunca mais eu o vi
- Dizem que ele tá é bem.
Azambujanra passa todo enfatiotado para o escritório.
Blog Fiteiro Cultural - http://josecalvino.blogspot.com/