Livro nosso de cada dia...
Despretensiosa ao ponto de ser austera, a biblioteca de Monteiro situava-se em uma esquina da rua principal, com vista privilegiada à praça e à igreja matriz. A pessoa que não lê, mal fala, mal ouve, mal vê - frase escrita na parede externa do prédio. Ali reencontramos Malba Tahan, ídolo literário da nossa geração e o autor das sábias palavras. Beduíno imaginário made in Brazil, viajamos juntos por terras árabes e persas, ziguezagueando entre fantasias e o mundo maravilhoso da ciência. O homem que calculava guiava seus pupilos até o oásis da sabedoria.
Encontramos uma pequena biblioteca pública, enquanto caminhávamos pelas ruas da cidade de Alagoa Grande. Bom lugar para acessar a internet. Sentamos próximo a dois pequenos grupos de adolescentes em mesas contíguas. Liam páginas de um livro em voz alta; uns tantos faziam observações ou escreviam notas em cadernos escolares. [...] O senhor pode buscar algo na internet? Estudavam cultura popular, explicou nossa interlocutora, compartilhavam o único livro disponível. Ditos e provérbios, adivinhações, charadas, simpatias, cantigas de roda, queriam exemplos para o projeto, sem saber ou entender o significado exato de cada palavra ou atividade[...].
Viajamos de volta à sala de aula, ano de 1954. A placidez dos dias de ipês dourados e a beleza das palavras misturavam-se com os hormônios da adolescência. Boca manchada de batom, emoções incontroláveis espalhavam-se pelas rugas e veias da velhice desafiada; a professora recitava versos do Navio Negreiro de Castro Alves: o tópico do dia.
[...] Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta...
Continuamos nossa viagem por mares que imaginávamos nunca dantes navegados. Agora é a nossa vez de capitanear a nave do saber, para que outros possam falar ouvir e ver...
Palmarí H de Lucena é membro da União Brasileira de Escritores
Blog: Http://www.palmarinaestrada.blogspot.com