CRISTO. APELO NA CRUZ. REVOLTA.

Os evangelhos escritos pelos homens, contraditórios em suas historicidades, são passíveis de exegese como vem acontecendo secularmente. Não só o fato histórico sofre crítica, mas o teleológico, no curso teológico. Nesse é inadmissível entender como revolta o apelo ao Pai feito por Cristo pendendo da Cruz. Seria toda uma negativa sistêmica desde a Anunciação e seus propósitos, o objetivo da Nova Aliança com seus consectários.

Além da visceral indissolubilidade da Trindade, com seus vaticínios da unidade não desconhecida pelo Filho, que era unigênito do Pai, e o próprio Pai, filhos comuns que apelam aos pais não traduzem revolta, mas rogação de auxílio. O que é curial não demanda gravidade inquisitiva, tomba sob os sentidos do homem medianamente inteligente. Não oferece aspereza para a compreensão.

Que se caminhe os caminhos de Deus até seus limites. A suficiência da inteligência humana encontra barra enérgica na lógica, e ela não abriga a fé próxima de Deus, e muito pouco ou quase nada seus desígnios. Cobrar a Deus bondade e felicidade permanente é prestigiar o materialismo ateu.

Jó, embora personagem dos primeiros livros sábios, era homem como qualquer um de nós. Se impacientar com a deserdação da sorte não guarda similaridade com revoltar-se contra a chama do amor, Cristo, pela sorte que Ele não desconhecia. A desrazão não é filha da razão, é seu antônimo. Inexiste irmandade na contradição.

“Todas as perguntas sem respostas que carregamos frente a um sentimento de injustiça ou de infortúnio podem se associar à pergunta do Cristo na cruz: “Meu Deus, por que me abandonaste?” (Mateus, 27,46).”

Nessa configuração associaríamos à injustiça, que é um mal, o apelo ainda que legítimo do Filho, mas Filho de Deus.

Há um eixo operacional a que todos se curvam nas indagações valorativas. O mal não é necessário! A máxima, o pregão que atravessa os tempos, sem censuras, nos vem do tomismo, do venerável gênio aquiniano de São Tomás de Aquino, o filósofo dos filósofos. Quem conhece sua jornada contra ela não se revolta, muito menos Cristo, onisciente, onipotente, onipresente.

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"Mais que um herói, um desfigurado.

Por que se concede luz ao homem, cujo caminho é oculto

e a quem Deus cercou de todos os lados?

Livro de Jó, cap. 3, vers. 23.

A meditação

Jó não é o primeiro herói em que se pensa. Ele é antes o primeiro a esperá-lo.

Quanto mais caminha, mais sua vida se degrada: miséria, doença, solidão,

sofrimento, injustiça. Ele acumula tudo o que gostaríamos de evitar.

Nossa fidelidade a Deus sofre verdadeira prova por causa do mal e da fragilidade da vida.

Para nos tranquilizar, por vezes, caímos na armadilha da resposta fácil e pronta ou ainda buscamos justificar o sofrimento por essa ou aquela má ação.

Porém isso não equivaleria a esquecer Deus num diálogo sem interlocutor? Jó se dirigiu a Deus. Ele ousou exigir satisfação.

Seu sofrimento é incompreensível e fica chocado diante de um Deus que acreditava ser bondoso e onipotente, mas que não agia em seu favor. Mais que um herói impassível, ele é um revoltado. À semelhança de Jó temos a audácia de lembrar a Deus sua responsabilidade frente à criação?

Todas as perguntas sem respostas que carregamos frente a um sentimento de injustiça ou de infortúnio podem se associar à pergunta do Cristo na cruz: “Meu Deus, por que me abandonaste?” (Mateus, 27,46). Esse apelo é uma provocação. No entanto, é legítima.

Jesus desfigurado toma o lugar de todos os feridos e mostra revolta frente a seu Pai. Sua pergunta clama por uma verdade que terminará na ressurreição. Então “não mais haverá nem pranto, nem dor” (Apocalipse, 21,4)."

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 01/03/2013
Reeditado em 02/03/2013
Código do texto: T4166249
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