Feliz Aniversário, Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro que mais uma vez homenageio no dia do seu aniversário, neste primeiro de março, fazendo 448 anos, não é mais aquele Rio, moleque, que todo brasileiro aprendeu a amar, o Rio das décadas de 40 e 50. Era uma cidade realmente alegre, despojada, descontraída, uma jovem adolescente, frequentadora diária da praia, de fácil amizade e de uma simpatia cativante. É esse jeito que é mais difícil ver em outras cidades, brasileiras ou estrangeiras.
Recordo-me, com meus quatro anos de idade, sempre maravilhado com a beleza estonteante do Rio de Janeiro, das amizades fáceis que fazia com os amiguinhos da rua. Eram meus amigos já no primeiro dia e os levava para minha casa. Tudo era festa, em casa, e na rua. A cidade acordava sempre com uma nova piada. Tanto isso é verdade que todos perguntavam, a cada novo dia, qual era a novidade em termos de piada. Houve uma época que a cidade não tinha água, nem luz. Logo saiu a marchinha falando disso. E todo carioca, na maior alegria, cantava: “Rio de Janeiro, cidade que nos seduz, de dia falta água e de noite falta luz”.
Tudo era diversão autêntica para o carioca, que adorava andar de bonde, com o motorneiro e o condutor sendo diariamente vítimas da boa malandragem do carioca, que gostava de não pagar a passagem do bonde. Ao ser cobrado, ou pulava do estribo e ia embora, ou ficava com cara séria como se já houvesse pago a passagem. Se não me engano, custava uns vinte centavos. Não era pelo dinheiro, mas pela brincadeira... Costumo dizer para as novas gerações que elas jamais vão saber da delícia desse antigo meio de transporte.
Ainda me lembro, também, que todo brasileiro ansiava por vir morar nesse Rio, que mais parecia um paraíso. E era, podem acreditar! Minha família, que é do Amazonas, veio para a cidade maravilhosa trazida por esse sonho. Na década de 50, não se pensava em São Paulo, apesar da imensa importância econômica de São Paulo. Tive um colega paulista que veio morar no Rio, justamente, pela “esculhambação” da cidade, como ele mesmo dizia. Claro, não era uma esculhambação deplorável, mas esse jeitinho do carioca, que sabe levar a vida com mais sabedoria e que tem no bom humor a base de sua personalidade. Um almoço do carioca leva a tarde inteira, porque não dispensamos o bom papo. Só pra mexer com o paulista, coisa de carioca, relembro aquela do garçom paulista repreendendo ao carioca. (piada contada pelo Nelson Rodrigues, pernambucano que "virou" carioca). Em apenas uma hora, o restaurante ficou vazio, a paulistada toda saindo apressada. Ficou apenas o carioca, que, espantado, perguntou ao garçom porque o restaurante ficou totalmente vazio. E o nobre garçom respondeu: "Aqui se trabalha, meu amigo!" Essa piada mostra que o carioca ficou estereotipado e visto como muito irreverente e até meio irresponsável. Mas isso não é verdade, o carioca é trabalhador e leva as coisas a sério, mas não abre mão do bom humor. Por causa dessa fama, nunca deixaram os cariocas patrocinar um jogo de futebol no Maracanã, convidando o Papa para apreciar o espetáculo. Perguntarão os amigos: - Por quê? Porque havia o temor de convidarem o Papa para dar o ponta-pé inicial na partida, num máximo de irreverência do carioca.
Estou falando essas coisas, meio sem jeito, porque os tempos são outros e, como me disse o amigo carioca Yanômani, esse Rio que sempre cantei em prosa e verso não existe mais.
Minhas filhas cariocas também me repreendem com essas minhas lembranças de outrora. Ainda vi o Morro do Castelo, para onde se dirigiu Estácio de Sá, por ser mais seguro do que a Praia do Flamengo (onde tomei muito banho de mar), em razão das tentativas de invasão do franceses, por volta de 1565, quando foi por ele fundada a cidade. O Tabuleiro da Baiana, uma espécie de rodoviária dos bondes. Fico aqui morrendo de saudades do bonde 05-Leme, que me conduzia, aos domingos, para a praia do Leme...
Infelizmente, hoje há uma uniformidade pavorosa de todas as grandes cidades. O Rio, com sua beleza, suas praias, sua floresta da Tijuca, seu horto florestal no Jardim Botânico, sua Lagoa Rodrigo de Freitas e, principalmente, com o estado de espírito insuperável do carioca, procura resistir a esta massa informe. Sou francamente a favor do indivíduo, daquele que faz a diferença. A humanidade sempre avançou em razão desses indivíduos que souberam fazer a diferença. É isso, meus amigos e amigas, levado pelo espírito do carioca, deixo nesta data natalícia da cidade esta bem descompromissada crônica, feita ao sabor da emoção, bem “a carioca”, não querendo esnobar, nem bancar o sabichão, mas sim ter o prazer e a alegria de abraçar a todos e dar outra vez um viva ao Rio de Janeiro.