Os mundos e pessoas
OS MUNDOS E PESSOAS
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 27.02.13)
A pergunta que se poderia fazer é mais ou menos esta: quantos mundos existem no mundo? A resposta que se conseguir obter pode muito bem interessar aos autores e leitores de obras de ficção, uma vez que é das vidas vividas que nascem os personagens e as tramas das vidas inventadas que recheiam os livros.
Se cada pessoa é um mundo, mais ou menos compartilhado por outras pessoas, seria preciso saber quanta gente existe no mundo. Porém, se cada pessoa "foi" um mundo e se as pessoas jamais se repetem ou se repetirão pelos tempos afora, então será fundamental saber quanta gente já palmilhou este nosso minúsculo planeta, pois, para facilidade de raciocínio, vamos estabelecer um limite bem claro (a Terra é o limite) às nossas conjeturas e deixar de lado os milhões de mundos, habitados ou não, que existem para além do nosso mundinho.
A questão do compartilhamento ou da mútua interferência entre mundos pessoais não deixa de ser interessante: que relação poderá existir entre os mundos de um habitante da floresta na Amazônia brasileira e de um tuaregue no deserto do Saara nigeriano? Com certeza, comum aos dois, ligando-os, ao menos o mundo do operário chinês mal remunerado que, de alguma forma, participou da fabricação dos celulares que ambos usam.
Se medem-se os mundos existentes pelo número de pessoas viventes, já passamos, hoje, de sete bilhões de mundos, o que dá uma quantidade formidável de histórias para se contar e ler. Embora muitas e muitas delas sejam sempre mais ou menos parecidas, isso ainda deixa um repertório inimaginável de casos e situações sobre os quais um escritor pode trabalhar e criar, inventando a sua ficção.
Por outro lado, as histórias são parecidas simplesmente porque o ser humano é basicamente o mesmo desde as cavernas, com uma leve tintura de civilização que se desfaz rapidamente, e por completo, quando ele está por trás de um volante ou quando entra dinheiro na parada. Nestas emergências (emergências da natureza humana), princípios éticos, respeito à vida, decência e dignidade são valores lançados de imediato ao espaço, para bem longe, e, se for o caso de algum desses litigantes professar a fé numa religião que açoita os seus crentes com as penas do inferno, o próprio pecado passa a ser justificado e autoperdoado, sacerdote cada qual da sua conveniente absolvição instantânea. Em verdade, quando as pessoas se convencem de que o mal é necessário e indispensável aos seus interesses individuais, elas deixam de ter quaisquer problemas de consciência por causa das atitudes urdidas e premeditadas que venham a tomar sob tal convicção.
Segundo a ONU, o planeta atingiu a população viva, simultânea, dos sete bilhões de habitantes no dia 31 de outubro de 2011, embora o Departamento do Censo dos EUA, daquela gente que sempre sabe mais e melhor do que todo mundo, a cifra só teria sido atingida em abril de 2012. Naquele mesmo outubro da ONU, o pesquisador Carl Haub, do Population Reference Bureau, publicava uma nova atualização do seu artigo de 1995, "How Many People Have Ever Lived on Earth?" E ele não se furta de responder: desde Adão e Eva, fomos até então 108 bilhões de almas na Terra, 6,5% das quais ainda encarnadas.
E aqui desponta um problema interessante, a considerar o que pregam determinadas religiões ao afirmarem dogmaticamente que almas existem, são eternas e não reencarnam: se conhecermos o estoque de almas existentes no Universo, saberemos com relativa precisão a data do fim do mundo.
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Amilcar Neves, envolvido com a criação de uma nova novela, é escritor com oito livros de ficção publicados, alguns dos quais à venda no sítio da TECC Editora, em http://www.tecceditora.com.
"Enquanto não fabricarmos nossa própria mecha e nossa própria pólvora, enquanto não adquirirmos uma consciência visceral da necessidade de nossa própria explosão, de nosso próprio fogo, nada será profundo, verdadeiro, legítimo, tudo será uma simples casca, como agora é casquinha, só casquinha, nossa tão apregoada democracia. E se nossos próceres, incluído seu avô, podem dizer impunemente que têm as mãos limpas, isso só se deve a que nosso conceito de higiene política deixa muito a desejar."
Mario Benedetti, Gracias por el Fuego.