"JOGO DA VERDADE"
Era uma gostosa tarde de um dia natalino, o ano não me lembro, mas, com certeza já fazem mais de vinte anos. Depois do almoço de Natal que meus pais faziam questão que toda família estivesse reunida, nos encontrávamos na casa da fazenda onde eles residiam. O lugar era lindo e convidativo, uma casa grande, com um gramado e um lindo jardim que minha mãe cuidava com muito zelo, tudo isso decorado com uma cerquinha branca de madeira, caprichoso detalhe. Toda família se fazia presente, e ainda tínhamos conosco naquele ano um casal de primos, que vieram nos privilegiar com sua companhia, naquela data festiva.
Depois do almoço delicioso com toque especial de meus pais, eu minhas irmãs e esta minha prima, fomos organizar a bagunça que sobrou do almoço, enquanto os outros foram para os quartos a procura de uma boa cama, para fazer a sesta. As crianças invadiram a enorme sala e se espalharam em frente da TV, bendita programação global, que conseguia segura-las por algumas horas, trazendo alivio para as mães que podiam descansar um pouco.
Quando tudo estava arrumado resolvemos ir para na varanda, e todas se sentaram na enorme mesa posta ali para ocasião. Minha irmã trouxe uns aperitivos e algumas latas de cerveja, minha prima preparou uma tentadora caipirinha, que foi colocada numa caneca grande de louça, toda decorada. Não demorou muito e todas já estávamos um tanto quanto “animadinhas” por causa das bebidas etílicas, falávamos muito, riamos e até contávamos piadas proibidas para menores de idade. Então, minha prima nos propôs uma brincadeira: Seria um “Jogo da Verdade”, explicou-nos, que esse jogo consiste em cada uma comprometer-se em responder perguntas de forma verdadeira, não era permitido mentir, nem omitir.
Meio desconfiadas, topamos tal joguinho, e minha prima disse que começaria. Qualquer uma podia fazer a pergunta que desejasse que ela responderia, depois a ordem seguiria em sentido horário da mesa, uma a uma. Achamos tudo muito divertido, até o momento que a tal prima resolveu fazer uma pergunta a todas. Quis saber o nome que cada uma trazia guardadinho em uma “gavetinha secreta”, no fundinho do coração, de um verdadeiro amor impossível, alguém que realmente marcou a nossa vida, que sempre vinha à mente e nos enchia de saudades, pelo simples fato de ouvir referido nome, alguém que era impossível esquecer e que sempre nos fazia imaginar, como seríamos felizes se tivéssemos conseguido realizar o sonho, de viver com esse amor verdadeiro. Ela foi logo dizendo o nome daquele, que para ela seria esse amor, contou-nos detalhes de como se conheceram lá no interior Catarinense, e de como ele se tornou impossível, porque seus pais não faziam gosto que essa união fosse consolidada. Então, ela foi fisgada por meu primo, esse logo de primeira agradou os pais dela, e não demorou muito para entrar para família. Disse que se sentia feliz, mas, nunca conseguiu esquecer aquele moço, que ficou para sempre na sua mente e no seu coração.
Tal confissão serviu para encorajar todas, que se dispuseram a fazer suas declarações e revelar seus secretos segredos. Antes de cada uma contar, cuidavam de olhar para todos os lados, para se certificarem de que ouvidos proibidos, não capitassem as suas histórias, e quase sempre falavam baixinho, com medo de que isso acontecesse. Algumas ficavam tímidas de início, mas depois eram motivadas a continuar, tendo a garantia que seu segredo seria respeitado e jamais revelado. Cada revelação trazia surpresa a todas, e era possível até ver aquele tão conhecido brilho nos olhos, quando falavam sobre esse intenso sentimento, que ficou no passado, e que até trazia lágrimas aos olhos das mais sensíveis. A emoção tomava conta de todas.
Quando chegou a minha vez, não sei por que achei que não chegaria, após ser indagada por minha divertida e atrevida prima, fiquei completamente sem resposta, por uns instantes, vasculhei meu coração em busca da tal gavetinha, e alguma referência desse tão falado amor verdadeiro. Não encontrando nada condizente, confessei a todas que isso nunca me havia acontecido, e que não tinha nenhum segredo a revelar a esse respeito. Houve grande admiração de todas, e minha prima soltou mais uma de suas torturantes perguntas, que se referia que, então, eu era a única ali que realmente tinha conseguido a proeza de fisgar o verdadeiro amor?
Fez-se um total silêncio, e todas aguardavam com ansiedade minha resposta. Respirei fundo, olhei também para os lados e respondi um sonoro NÃO. Houve uma explosão de risos e gritos, algumas até batiam na mesa na maior farra. A barulheira foi tanta que despertou os que dormiam e as crianças, que correram todas para o jardim em algazarra, sob a chuva costumeira de verão, que nunca deixava de aparecer no dia de Natal. Todas foram saindo da mesa para cuidar delas, quando minha irmã quis fechar à brincadeira, comentando que eu era a única que estava em melhor situação, por não sofrer por um amor impossível. Mas, a priminha não deixou por menos e completou resumindo tudo, dizendo que a pior situação era a minha, pois, ninguém passa por esta vida, sem ter experimentado esse sentimento, sem ter amado verdadeiramente uma única vez, e que se isso não aconteceu no passado, é porque com certeza estava reservado para o futuro. Vi algumas de minhas irmãs mais recatadas se ruborizarem, outras foram disfarçando, fingindo não terem entendido a gravidade daquelas palavras. Eu dei um sorrisinho sem graça, e sai chamando pelas crianças que se divertiam na chuva, para fugir daquela situação um tanto quanto constrangedora e comprometedora.
Nunca esqueci aquele dia de Natal e tão pouco tudo que aconteceu. Faz muito tempo que não falo com minha querida prima, gosto muito dela.
A propósito o nome dela é Vânia,mas podem chama-la de...A vidente.