Ciclos

Acabou. Definitivamente acabou. Ninguém precisa falar nada. Não há mais nada a dizer. O barulho da porta da rua fechando-se atrás dos passos confirma tudo.

Sento-me diante do papel e tento escrever. Quero me despedir. Uma tristeza enorme me envolve...Tão difícil começar...As palavras se rebelam; a letra sai feia; não gosto. Rasgo tudo e começo outra vez.

As lembranças atropelam-se, exigem minha atenção; querem mais uma chance para sentirem-se vivas. Mando que se calem. Não suportaria tudo outra vez.

Recomeço a escrever.

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A situação recente torna as recordações mais cruéis. Finjo-me de forte e continuo...

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Meu Deus, que difícil! Para que reviver tudo de novo? Levanto-me, vou até a janela. Lá fora a noite segue igual a tantas outras que já vivi. Mas só lá fora, aqui dentro ela é muito diferente do que sempre foi.

Quase sem fôlego, contendo uma lágrima antiga que teima em cair, volto a escrever.

Num último esforço consigo alinhar as palavras. Quando saem de mim, estão ardentes, carregadas de significados só meus. Mas, que estranho...assim que as coloco no papel se acalmam. Parece que já não sofrem mais. Ficam ali, me fitando, confusas, tímidas.

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Pronto, está feito! Releio cada palavra procurando me apropriar de seu real valor. Recosto-me na cadeira, largo a caneta, cerro fortemente os olhos, mas, ainda assim, algumas lágrimas conseguem escapar.

Silêncio.

O bombardeio de emoções parece não acabar mais.

Abro os olhos, olho em volta e finalmente compreendo tudo. Tudo fica muito claro. Não acabou. Nada acaba, apenas se transforma. Vira história.

Num gesto rápido rasgo tudo. Atiro no lixo. Olho-me no espelho, passo um batom, escovo os cabelos e vou viver a vida!