Colocando a terapia no divã.

Estranho esse negócio de terapia.

Duas pessoas originalmente desconhecidas se prestam a ficar num espaço fechado uns 50 minutos, uma falando suas mazelas e a outra interpretando, dando pitacos, querendo achar pelo em ovo.

E muitas vezes é ovo sem pelo, já que nem todos os fatos vividos ou meramente imaginados estão assumidamente relacionados com outras situações vividas ou pensadas.

Ou melhor, em tese deverão estar, como tudo o que fazemos ou pensamos.

Mas poderão ser meros coadjuvantes, peças sobressalientes sem maiores repercussões no show da vida.

Dependendo da sensibilidade ou capacidade do terapeuta (ou da terapeuta) em traduzir suas entrelinhas, aqueles fatos até desprezíveis poderão tornar-se astro principal e sua raiz ser desmembrada em infinitas outras.

Fico imaginando um terapeuta atolado de problemas pessoais, familiares ou mesmo profissionais, tendo que passar seus dias escutando mazelas, loucuras e lamentos dos seus pacientes tendo a sua cabeça a milhas dali, pensando na briga que teve com a companheira na noite anterior, naquela conta que vence depois de amanhã ou em qualquer outro tema que ocupe o centro de suas atenções.

Terá que fazer "cara" de quem está ligado e entretido no assunto em pauta, emitir alguns comentários e até grunhidos sinalizando que acompanha o depoimento com atenção.

Vez por outra, precisará tecer comentários que reflitam a sua capacidade de entendimento e intrepretação.

Ou seja, poderá se dar ao luxo de fingir que está entretido no assunto e deixar sua mente trabalhar livremente nas suas coisas, precisando apenas jogar algumas alusões ao tema, de tempos em tempos.

O paciente, que adora receber o sinal verde para discorrer sobre o que bem entender, não perceberá a farsa estabelecida no consultório, já que estará pagando para ter 100% daquela atenção.

Suponho que os terapeutas com bom tempo de "estrada" acabem por desenvolver mecanismos para fitrar do que seus pacientes falam o que é, supostamente, aproveitável, jogando todo o resto numa lixeira coletiva.

Lixeira na qual repousam histórias das mais diversas, vindas das mais diferentes pessoas. Histórias que seriam sopa no mel pra qualquer biógrafo...

Imagino que os terapeutas, no rápido intervalo entre uma sessão e outra, façam um retrospecto do que foi ouvido na sessão anterior do próximo paciente, para que ele tenha a sensação, ou ilusão, de que suas coisas são importantes não só para si.

Essa impressão reforça a liga entre ambos e é sinal de que seu universo, com todos terremotos, vulcões, tempestades, infernos que tem direito, faz parte do imaginário do terapeuta, pelo menos naqueles 50 minutos em passarão juntos.

Penso que todo terapeuta deve ter seus pacientes prediletos, aqueles com que ocorre uma identificação mais latejante, porque muitas vezes as histórias ouvidas terão sinergia com suas histórias pessoais.

Nesses casos, deverá tomar cuidado pra não misturar as bolas, correndo o risco de cometer atos falhos que poderão criar situações esquisitas ao longo do seu trabalho.

Apesar disso, há uma troca de emoções e energias bem forte, porque o consultório será uma arena na qual peitos serão rasgados e muita coisa visceral virá à tona, feito estouro de manada.

Mesmo que o paciente queira mentir adoidado, inventando histórias que, de fato, não terão a menor relação com sua vida real, tudo o que se passará ali terá as amarras presas à sua mente, pois mesmo dando vazão à fantasia com toda pompa e detalhamentos que quiser, a sua fala estará impregnada com faíscas paridas da sua verdade mais profunda, como produto daquele baú íntimo, compartilhado por pouquíssima gente até então.

Neste jogo, onde as peças estão entulhadas de segredos e mistérios, caberá aos dois protagonistas sentir onde é chão firme ou mera areia movediça.

Onde é fato ou mero blefe.

Não deve ser fácil para alguém passar o dia escutando coisas pessoais e tendo que achar, no meio delas, rastros ou pegadas que as entrelacem para fazer algum sentido.

Mesmo que esta relação seja pautada pelo vínculo comercial, entendo que é diferente de outras relações que estabelecemos profissionalmente, como a que tempos com o vendedor do mercado ou com o caixa do banco.

A intenção original é buscarmos ajuda com alguém que está a postos para nos acudir, tendo estudado e se preparado a partir de inúmeras situações com pontos em comum.

E que poderão servir para identificar sinais que contribuirão para nos entendermos melhor e, dessa forma, podermos caminhar com menos sobressaltos e menos tropeços.

E assim conseguirmos viver com maior tranquilidade, equilíbrio e alegria.

Isso nos fará pessoas melhor relacionáveis em todas as esferas, o que certamente será aplaudido de pé pelos nossos familiares e amigos.

Ou melhor, será aplaudido de pé e com louvor pela pessoa mais importante das nossas vidas: nós mesmos.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 27/02/2013
Reeditado em 28/02/2013
Código do texto: T4161826
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