O outro ele
Ele sempre fazia questão de mostrar aquele olhar, de dizer que sente, que fez e aconteceu. Naquele dia, como todo dia, ele chegou atrasado e colocou seu casaco na cadeira onde o outro estava sentado. Os olhares se cruzaram, suas vozes falaram e adiantaram uma conversar. O dia ia passando, e de mãos e mãos esbarradas, falas programadas e olhares aleatórios foram preenchendo aquele que de longe era apenas um dia comum.
Ele sempre babava quando algumas das mulheres passavam e o encarava. Geralmente pensava alto e cuidava para cada vez que elas saíssem, dizer ao outro o que ele achava.
O outro sempre ouvia calado, e quando estava de bom humor, até soltava uma risadinha para agrada-lo, mas quase nunca, ou sempre. O outro apenas queria acreditar que aquele que de longe parecia ainda mais longe, não estava tão distante do que se imaginava. O outro apenas queria uma chance, mesmo sabendo que chances, são para coisas possíveis, não para tais.
E ele dava risada, ele não conseguiu ficar um dia sem ver um daqueles vídeos, uma daquelas enquetes, uma daquelas imagens. E sempre usufruindo daquilo que a mídia transmitia sobre as mulheres, sempre com palavras vulgares e expressões lamentáveis sobre o que possivelmente eram seus desejos sexuais.
E o outro ficava ali, assistindo de camarote o que seria o seu final feliz, o seu tão esperado final feliz. Embora o outro soubesse que mais dia ou menos dia tudo aquilo acabaria, ele mudaria e conseguiria superar tudo, ele sempre se perguntava até quando ia durar, ele simplesmente não suportava mais.
E ele insistia, debochava e até achava graça pela falta de malemolência que o outro tinha. E com suas brincadeiras tentando agradar e entreter o outro, ele só conseguia machuca-lo ainda mais.
O outro sentia como se cada minuto ele passasse na cara que ele jamais sairia dali, e jamais conseguiria o que tanto desejava. O outro não se acostumara com a pouca sensibilidade dos seres humanos, principalmente quando o ser humano em questão é o dele. Mas relaxava, uma hora ia pra casa, via algum filme, lia algum livro e tirava sua própria conclusão das coisas. Mas quando ia deitar e dormir perdia ou há quem diga que até ganhava, alguns minutos pensando nele.
E Ele já deixou claro que fora dali não pensava mais em nada, não pensava em ninguém. Ele que já explicou duzentas vezes que não queria saber. Ele apenas não queria saber.
E o outro chorava, ouvia uma musica triste e pensava numa solução, tentava dizer pra si mesmo para acordar, levantar, mas tudo o que conseguia era escrever para ele.
Ele não sabia disso, o outro também não, mas de uma forma ou de outra, os dois só queriam chamar atenção.