O grande farsante.

Bigálio Segante, 48 anos, tinha uma estranha mania há anos.

Buscava anúncios nos classificados de empregos de jornais e se candidatava às vagas para as quais não tinha a menor experiência.

Carpinteiro, padeiro, advogado, vendedor técnico, engenheiro, fisioterapeuta, faturista, professor, controller, massagista, mestre de obra, gerente de TI e por aí vai.

O barato dele era inventar um currículo colocando nome, telefone e endereço falso, descrevendo as supostas funções já exercidas na área de interesse com todos os detalhes. Somente o e-mail era verdadeiro, para poder receber a resposta.

Passava noites em claro pesquisando na internet as referências para poder se apresentar de forma convincente.

E convencia mesmo.

Os entrevistadores, muitos deles com larga vivência em RH e seleção de pessoal, caiam no seu papo feito sem a menor desconfiança, pois nunca poderiam supor que alguém se disporia a forjar histórias, vivências, passar referências e descrever, com toda segurança, tantos empregos anteriores.

Assim ele ia aprimorando sua lábia e chegando, muitas vezes, até a etapa final de seleção, sumindo misteriosamente em seguida, para frustração e espanto dos seus futuros chefes, que já contavam na sua equipe com este profissional tão qualificado para a função.

Bigálio tinha, inclusive, a preocupação de adequar sua roupa, modo de se apresentar e de falar à cada novo desafio, dando verdadeiro show de interpretação a cada entrevista.

Era como se, dentro dele, habitassem todos aqueles personagens que brotavam da sua imaginação e ele fosse, de fato, um pedaço de cada um deles.

Foi levando sua vida assim por muitos anos, encenando suas farsas corporativas com maestria cada vez maior.

Até o dia em que encontrou Cibelle, gerente de RH de uma fábrica à qual respondeu o anúncio.

A vaga era de torneiro mecânico. O primeiro passo foi responder ao anúncio mandando seu currículo por e-mail.

Não passou uma hora para vir a resposta, convocando-o para uma entrevista na tarde daquele mesmo dia.

Tinha que procurar pela Cibelle do RH na fábrica.

Mal entrou na sala e já começou a representar o seu papel de candidato.

Cibelle escutava seu discurso sem piscar o olho, parecia que aquela experiente profissional de seleção nunca havia encontrado um interessado para uma vaga com tal sinergia com as necessidades da função.

Bigálio era a pessoa mais certa para aquela atividade, disso não tinha a menor dúvida.

O seu "feeling" nunca dava errado: ela podia "sentir" quando o candidato realmente estava sendo sincero ao descrever suas experiências e expectativas.

Foram centenas de contratações bem sucedidas em mais de vinte anos de profissão.

E, naquele caso, mais uma vez comprovava que nos primeiros 3 minutos de entrevista já tinha o veredicto.

Mas, talvez por manobra do destino, Bigálio foi pego de surpresa.

Aquela linda mulher, com todas inquietudes de uma mulher do alto dos seus 47 anos, havia mexido com ele.

O perfume discreto, o jeito calmo de pronunciar cada palavra, a forma de olhar profunda e inoculante, suas mãos com unhas bem cuidadas e uma boca carnuda e infinitamente carente, tudo isso gerava um cenário que aquele farsante nunca havia se deparado antes.

A coisa foi de tal forma fulminante, que ele perdeu o fio da meada do seu show costumeiro.

Começou a misturar a descrição das suas habilidades de torneiro com as de padeiro, somando com as de fisioterapeuta, juntando tudo com as qualidades de mestre de obra, entremeando com as de médico e arrematando com os descritivos de um advogado de sucesso.

Cibelle não entendia mais nada.

Aquele homem, que aparentemente reunia qualidades nunca antes vistas com tal perfeição num candidato, não falava mais coisa com coisa.

Parecia que tinha surtado, incorporado uma entidade alienígena ou, simplesmente, enlouquecido de vez. Vai saber.

Então Bigálio, de repente, parou de falar.

Baixou os olhos e os fixou-os num ponto qualquer do chão.

Ficou assim por alguns segundos e começou a chorar.

Choro tímido de início e que foi, gradativamente, se transformando num choro profundo, entremeado por soluços e engasgos sucessivos.

Cibelle foi buscar um copo d'água para tentar acalmá-lo na sala ao lado e quando voltou encontrou a sala de entrevistas vazia, sem nenhum vestígio daquele candidato tão especial e, ao mesmo tempo, tão estranho.

Cibelle reuniu os papéis no qual tinha anotado suas observações de Bigálio e jogou tudo no lixo.

Respirou fundo e mandou entrar o próximo candidato.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 24/02/2013
Reeditado em 15/05/2021
Código do texto: T4157546
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