Dzi Croquettes:
História de arte e coragem em tempos de ditadura
No momento em que o polêmico grupo Dzi Croquettes volta à cena, após 40 anos da sua estréia, relembro como conheci Lennie Dale, um dos líderes do conjunto. Final dos anos 60, nós éramos vizinhos da família Veloso, no bairro de Nazaré, em Salvador e eu acompanhava Maria Bethânia numa de suas vindas do Rio de Janeiro.
Fui apresentado a Lennie Dale por Dona Canô, que fazia as honras da casa, apresentando-me, tímido estudante de Agronomia, todo desentrosado, ao grupo de artistas que freqüentava a casa dos Veloso. Lennie Dale já era conhecido, já gravara vários discos, dirigia espetáculos no Brasil e em Nova York, mas não fazia ainda aquela primeira coreografia de abertura do Fantástico (É Fantásticoooo!) e nem participava do Dzi Croquettes.
Passa o tempo, anos depois eu estava a trabalho em Niterói e Dzi Croquettes estreavam um show no Rio. Eu não podia perder. Convido para ir junto o conterrâneo Paulo Lyra, colega da época estudantil, correligionário do DCE, parceiro de passeatas e reuniões da UNE, que na época estava cursando mestrado na UFRJ.
- “Tu outro dia me chamou para ver um filme de Píer Paolo Pasolini. Agora me chama pra ver estas bichas. Tá me estranhando?”.
- “Que revolucionário é você, cara? Os homens estão escrachando com a censura, criticando o sistema, se vestindo de mulher, com perna cabeluda, bigode e muito deboche! O governo e os militares de mente fechada estão pê da vida! Os cabras são frescos, mas são corajosos! Já foram intimados, censurados e presos. Falam o que o regime não quer ouvir, mostram o que os militares não querem ver. E nem sonham falar às suas mulheres. Tá com medo de ir, diga!”
Enfim, fomos ver Dzi Croquettes. Música refinada, inclusive dos Novos Baianos, diálogos debochados, ironia, crítica social e política, muita cor, pintura e coreografia. Algo que me recordava o Moulin Rouge, só que com homens de sapato alto e deboche. Lembrava “As Muquiranas”, bloco carnavalesco de Salvador. Numa época em que romper a ordem estabelecida exigia coragem, Dzi Croquettes eram uma alternativa a mais para desestruturar a ditadura, naqueles que talvez tenham sido os anos mais duros e difíceis para os que faziam oposição ao governo.
Muitos de nós lutamos contra a ditadura. Cada um ao seu modo. Nas ruas, nas passeatas, nos jornais, nos teatros, no exterior, nas cidades e no campo. No anonimato, cantando ou expondo-se, como Dzi Croquettes. Cada classe contribuindo ao seu modo para minar as forças militares e fragilizar o regime. E Dzi Croquettes é parte importante no contexto e na história, uma bordoada firme nos conceitos ultrapassados. Um pesado morteiro, disfarçado com plumas e paetês, direcionado ao regime, ao DOPS, à censura e a tudo aquilo que impunha medo, receio, terror, prisão e tortura.
Os anos 60 e 70 foram de quebra de padrões, inquietude, vontade de mudar, busca do novo e de enfretamentos. Não cabia covardia aos visionários que desejam um dia experimentar o sabor da liberdade e de viver outra realidade.
Paulo saiu convecido que Dzi Croquettes, com suas frescuras, eram machos pra caramba. Tão machos que conseguiram o impossível: driblar a censura e levar a peça para a Europa. Em Paris, constam como fãs incondicionais, cadeiras cativas na platéia, Catherine Deneuve (La belle de jour!), Omar Sharif (Dr. Jivago!) e Josephine Baker, dentre outras celebridades.
O regime militar foi minado com suor, sangue, inteligência, protestos, passeatas e até frescura. Frescura de gente corajosa. Heróis vestidos de mulher! E eu conheci de perto o mais talentoso e corajoso deles: Lennie Dale! Que Deus os guarde!
História de arte e coragem em tempos de ditadura
No momento em que o polêmico grupo Dzi Croquettes volta à cena, após 40 anos da sua estréia, relembro como conheci Lennie Dale, um dos líderes do conjunto. Final dos anos 60, nós éramos vizinhos da família Veloso, no bairro de Nazaré, em Salvador e eu acompanhava Maria Bethânia numa de suas vindas do Rio de Janeiro.
Fui apresentado a Lennie Dale por Dona Canô, que fazia as honras da casa, apresentando-me, tímido estudante de Agronomia, todo desentrosado, ao grupo de artistas que freqüentava a casa dos Veloso. Lennie Dale já era conhecido, já gravara vários discos, dirigia espetáculos no Brasil e em Nova York, mas não fazia ainda aquela primeira coreografia de abertura do Fantástico (É Fantásticoooo!) e nem participava do Dzi Croquettes.
Passa o tempo, anos depois eu estava a trabalho em Niterói e Dzi Croquettes estreavam um show no Rio. Eu não podia perder. Convido para ir junto o conterrâneo Paulo Lyra, colega da época estudantil, correligionário do DCE, parceiro de passeatas e reuniões da UNE, que na época estava cursando mestrado na UFRJ.
- “Tu outro dia me chamou para ver um filme de Píer Paolo Pasolini. Agora me chama pra ver estas bichas. Tá me estranhando?”.
- “Que revolucionário é você, cara? Os homens estão escrachando com a censura, criticando o sistema, se vestindo de mulher, com perna cabeluda, bigode e muito deboche! O governo e os militares de mente fechada estão pê da vida! Os cabras são frescos, mas são corajosos! Já foram intimados, censurados e presos. Falam o que o regime não quer ouvir, mostram o que os militares não querem ver. E nem sonham falar às suas mulheres. Tá com medo de ir, diga!”
Enfim, fomos ver Dzi Croquettes. Música refinada, inclusive dos Novos Baianos, diálogos debochados, ironia, crítica social e política, muita cor, pintura e coreografia. Algo que me recordava o Moulin Rouge, só que com homens de sapato alto e deboche. Lembrava “As Muquiranas”, bloco carnavalesco de Salvador. Numa época em que romper a ordem estabelecida exigia coragem, Dzi Croquettes eram uma alternativa a mais para desestruturar a ditadura, naqueles que talvez tenham sido os anos mais duros e difíceis para os que faziam oposição ao governo.
Muitos de nós lutamos contra a ditadura. Cada um ao seu modo. Nas ruas, nas passeatas, nos jornais, nos teatros, no exterior, nas cidades e no campo. No anonimato, cantando ou expondo-se, como Dzi Croquettes. Cada classe contribuindo ao seu modo para minar as forças militares e fragilizar o regime. E Dzi Croquettes é parte importante no contexto e na história, uma bordoada firme nos conceitos ultrapassados. Um pesado morteiro, disfarçado com plumas e paetês, direcionado ao regime, ao DOPS, à censura e a tudo aquilo que impunha medo, receio, terror, prisão e tortura.
Os anos 60 e 70 foram de quebra de padrões, inquietude, vontade de mudar, busca do novo e de enfretamentos. Não cabia covardia aos visionários que desejam um dia experimentar o sabor da liberdade e de viver outra realidade.
Paulo saiu convecido que Dzi Croquettes, com suas frescuras, eram machos pra caramba. Tão machos que conseguiram o impossível: driblar a censura e levar a peça para a Europa. Em Paris, constam como fãs incondicionais, cadeiras cativas na platéia, Catherine Deneuve (La belle de jour!), Omar Sharif (Dr. Jivago!) e Josephine Baker, dentre outras celebridades.
O regime militar foi minado com suor, sangue, inteligência, protestos, passeatas e até frescura. Frescura de gente corajosa. Heróis vestidos de mulher! E eu conheci de perto o mais talentoso e corajoso deles: Lennie Dale! Que Deus os guarde!