CALÇADAS
CALÇADAS
Ando pela calçada, esquivando-me de buracos, pedras soltas, cocô de cachorros, restos de comida, pequenos formigueiros, saquinhos e copos plásticos, matinhos crescidos, cusparadas e até uma tajete, nascida no vão de dois pisos. De um lado grades, delimitando propriedade, de outro, milhões de carros estacionados a espera de seus donos. Em sentido contrário vem uma velhinha, com uma bela bengala, mancando de uma perna, e que parece participar de um reality show, cujo objetivo é chegar a seu destino, sem o risco de ter que trocar a charmosa bengala, por um andador ou uma cadeira de rodas. Proponho-me a ajudá-la a superar os obstáculos e piso no cocô, escorrego num saquinho, torço o tornozelo, sou picado pelas formigas e piso na coitada da tajete que estava tão bonita.
Finalmente a senhora chega a seu destino, cansada, mas graças a pequena ajuda, incólume. Entra em sua casa despedindo-se, agradecendo por conseguir concluir tão difícil prova. E lá vou eu, com cocô de cachorro nas entranhas do tênis, coceira na canela, tornozelo doído, mas feliz da vida por ter ajudado a velhinha a superar tão grandiosos obstáculos. E fico pensando que atrás das grades, vivem pessoas, quem sabe não tão felizes, que talvez tenham tropeçado na vida e magoados, fazem de suas calçadas a grande vingança contra os menos infelizes, ou quem sabe, não estão nem aí para o que ou quem, anda pelas calçadas.