Telhados
Curioso falar dos nossos telhados. Não só daqueles que cobrem nossas casas, nossos locais de trabalho, nossos recantos de lazer. Mas dos telhados que não vemos, mas que, certamente, temos. Nossos pais cumpriram, ou tentaram cumprir, com maestria, este papel. Protegendo, anteparando do que viesse fazer mal, nos isolando do frio, do medo, da dor. Depois, os amigos. Alguns ostensivos, sumariamente declarados, outros mais sutis, meio sem querer, mas nem por isso menos presentes, ou menos importantes. Depois vieram os amores. Telhados afetuosos, que fizeram o sangue perder suas estribeiras, virar vulcão. Entre estes amores-telhado, um se mostrou mais do nosso jeito, mais do nosso cheiro, mas da nossa cor. É com ele, ou com ela, que resolvemos dividir a estrada, o copo de água, a lufada de sono. Deste compartilhamento, brotaram os frutos. Isso fez o nosso telhado exultar, erguer o peito, ficar feliz toda vida. E vamos em frente, tentando driblar o tempo, mas com ele não tem jogo, não tem negociação, não tem atalho. Ele vai cumprindo sua sina com retidão de um gozo até que, belo dia, nos vemos atracados num corpo já moído pelos leques desalinhados do nosso envelhecer. Vamos percebendo que as cores, outrora bezerras, agora estão mais recostadas, mas trêmulas, mais tardias. Mas, mesmo assim, nosso telhado não joga a toalha nem enebria seus fôlegos. E, sabe lá Deus como, buscará nos cafundó das nossas vizinhanças mais perdidas, um novo grito, uma nova quentura, uma nova lei. Então, nos destelhamos de cabo a rabo para nos descobrirmos, por fim, a céu aberto. Porque o nosso telhado acabou de cumprir a última pétala do seu legado. Agora poderá dormir em paz, sem medo do relento, do frio ou de um abandono qualquer.
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