Em casa
Sentiu os braços pesarem e o cansaço o tomou como uma febre que dominava seu corpo. Parou por alguns segundos. Tateou as pedras úmidas e percebeu que o túnel se afunilara desde o início de sua caminhada. Teve medo pela primeira vez.
Sua vida passava como um filme e quanto mais caminhava, mais via claramente tudo que o fez feliz e triste. Tudo ao mesmo tempo; agora conseguia organizar seus pensamentos e entender o motivo de ter vivenciado cada uma das experiências. Uma voz ecoou suave à frente:
- Hoje é o seu dia – anunciou a voz como se revelasse o ganhador de um prêmio.
- Como assim “meu dia”? - perguntou ele, desconfiado.
- O seu dia – respondeu a voz num tom enigmático.
- Quero ir pra casa – disse ele, medroso e irritado.
- Você está em casa – respondeu a voz, calmamente.
Logo em seguida uma luz ofuscou seus olhos preenchendo o pequeno túnel. Quando seus olhos se acostumaram à claridade, pôde ver uma forma brilhante, como se fosse uma pessoa envolta em brilho. A forma se aproximou e o tomou pela mão.
- Venha – disse ela, - ele está a sua espera.
- Quem? – perguntou ele, agora mais desconfiado.
- Ele... – respondeu o ser luminoso, apontando para um lindo jardim florido, onde um homem de terno bem apessoado o aguardava em prontidão com os braços para trás. Ele parou e por um minuto não acreditara. Olhou a sua volta, o jardim, o gramado, o ser iluminado. Seria ele um anjo? Seria o homem de terno o próprio Criador?
- Quem... é você? – perguntou ele quase sem voz pela emoção.
- Quem você acha? – respondeu o homem de terno, com um sorriso.
- Deus...? – perguntou ele, se aproximando.
O homem de terno soltou uma gargalhada.
- Você é mesmo um fanfarrão! Deus! Só me faltava essa. Se bem que bonito eu sou.
Ele ficou sem entender. Olhou para o homem de terno, para o “anjo”, para o jardim.
- Vá logo pra sua masmorra! Deixe de graça! – disse o homem de terno apontando para uma porta.
Ele estacou, olhando para a porta e para o homem.
- Gente! O deputado chegou! Caprichem com ele! – disse o homem com mais uma gargalhada. – Adoro políticos, sempre chegam aqui inocentes.