Ao Menino e ao…

(Ninguém sobe tão alto, como aquele que se baixa a ajudar uma criança)

-Vá meninas! Tudo p´ra cama, que amanhã, é dia de pica bois.

- Pica bois? O que é isso de pica bois? – Pergunta a Sofia com um sorriso maroto, a bailar-lhe nos lábios.

- É o que se diz, quando se tem que levantar cedo para executar alguma tarefa. Numa alusão antiga do lavrar dos campos com juntas de bois, em que as pessoas se levantavam antes de o nascer do sol. Aproveitavam assim o fresco e o tempo, descansando na hora de maior calor. A chamada sesta.

- Avó o que é sesta? – Pergunta desta vez a Joaninha.

- É dormir a seguir ao almoço. – Responde a Sofia, impondo a sapiência dos seus nove anos.

- É? Avó.

- Sim querida! É como a tua irmã diz. Mas vamos lá lavar os dentes e caminha.

- Depois vens lá contar uma história?

- Sim Joana! Vão, que eu já lá vou ter.

- Sofia, o que é alusão?

- Alusão?

- A avó disse: numa alusão antiga.

- Ah pois, alusão é o mesmo que fazer referência ou mencionar. É como dissesse: amanhã vai ser um dia de muito trabalho.

- Então ainda não se dorme?

- Não avó…Estamos à espera da história que prometeste. – Responde a Joana.

- Ai estas minhas netas, – Diz sorrindo avó Irene. - Tão mimadinhas…Suas malandras. Então vamos lá:

Numa ocasião, o vosso avô ficou em casa por ser feriado no concelho onde trabalhava. Era a vossa mãe pequenina. Teria mais ou menos a vossa idade. Eu fui trabalhar e o avô ficou com a vossa mãe. Almoçaram e foram às compras ao supermercado.

Na altura ainda não tínhamos automóvel, por isso, os dois foram de autocarro. No supermercado, o avô encontrou uns amigos que tinham uma menina da idade da vossa mãe. Como podem imaginar foi uma festa para as meninas. Os pais ao verem a alegria das crianças, convidaram o avô para passar o resto da tarde com eles, para elas brincarem mais.

- Oh avó! Tu desculpa, mas isso é que é uma história? Mas que seca!..

- Está calada Sofia! Deixa a avó contar! – Empertiga-se a Joana muito interessada.

- Se calhar, querias uma história da carochinha ou de fadas, em vez de uma que aconteceu realmente. - Atalhou de pancada a avó Irene, fingindo estar aborrecida.

- Não é justo! Por causa da Sofia, não ouço o resto da história! Não é justo! – Protesta Joana.

- Oh avó! Estava a brincar. Mas conta, conta que eu não estou achar graça nenhuma! - Exclamou a Sofia com uma gargalhada.

- Estou a ficar zangada contigo Sofia e a avó também. – Comenta a Joana quase a choramingar.

- Pronto, pronto, Joaninha, eu estava a fingir que estava chateada. Vamos lá continuar… Onde é que eu ia?

- Oh avó!..Isso deve ser da idade! Então, ias na grande farra que o avô e a Lurdes estavam a passar com os amigos.

- Farra? Sofia.

- Pronto, «brincadeira»! …Ó meu Deus! O que uma neta não faz, só para ver a avó feliz.

- Bom! Continuando: quando cheguei a casa depois do trabalho, ainda aqueles dois não tinham aparecido. Esperei, esperei e nada. Comecei a ficar preocupada, pois já era noite e quando eu pensava encontra-los em casa, com o jantarinho pronto à minha espera.

- Avó!..

- Diz Sofia?

- Tu estavas mais preocupada por eles não terem ainda aparecido ou por não teres o jantar pronto? – Atacou com um sorriso irónico.

- As duas coisas, pois eu vinha do trabalho e eles ficaram no bem bom.

Preocupada não sabia o que fazer. Com a cabeça só a pensar em coisas ruins, vim para a entrada do prédio a ver se os via chegar.

De súbito até parece que cresci. Lá vinham eles.

-Tens razão avó. Só te pareceu, de facto não cresceste, continuas pequenina. – Gargalhou, Sofia.

- Estás a ser impertinente Sofia, assim não deixas a avó acabar de contar a história. – Observou a Joana, um pouco agastada.

Sorrindo surpreendida pelo linguajar da Joaninha, a avó continuou.

- Há alegria de os ver, sobrepôs-se uma preocupação. Muito embora os visse bem-dispostos vinham todos sujos, cobertos de pó, como se tivessem andado a rebolar pelo chão.

«O que é que vos aconteceu, para virem neste estado»?

«Caímos». – Respondeu a vossa mãe, toda feliz da vida como se, cair fosse bom.

O avô só se ria, parecia um tolinho.

«Mas caíram como»?

«Então, o pai pôs-me às cavalitas e deu-me um saco e trazia outros na mão, só que tropeçou e nós caímos. Mas não se preocupe que não nos magoámos».

«António o que é que se passa contigo, parece que vens já com um grão na asa»? Perguntei, e de facto assim era, o que me deixou preocupada.

«Está tudo bem? Não se magoaram»?

«Oh mulher! Está tudo nos trinques. Sabes como é: «Ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo».

«Estás lindo, estás!... Vê-se que não dizes coisa com coisa. Grande festa hem? Só não percebo o que é que o ditado, «ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo», tem a ver com vocês? Que a tua filha corresponda ao menino, tudo bem, mas tu não te pareces nada com um pombinho para seres o borracho».

«Aí é que te enganas!.. Ai enganas, enganas! Bebi demais… hic…e estou mesmo sentindo-me..hic...borracho».

- Avó!

- Sim, Sofia?

- Deus, devia andar em obras naquele dia. Pois se Deus pôs a mão por baixo e eles apareceram sujos, é porque Deus estava a trabalhar e tinha as mãos sujas.

- Oh Sofia!!!

Para as minhas netas, Sofia e Joana.

Lorde
Enviado por Lorde em 22/02/2013
Reeditado em 22/02/2013
Código do texto: T4153598
Classificação de conteúdo: seguro