<> NINGUEM AMOU ASSIM <>

Quando Lino (Durvalino) faleceu, o mundo de Dona Santinha desabou. No velório, entre lágrimas que não se estancavam, era sempre a mesma indignação: - Por quê, meu Deus?? Por quê?

Passadas as cerimônias de sepultamento, Dona Santinha entrou numa clausura total e durante um ano, ninguém naquele pequeno Município a viu, a não ser Dona Benta, uma neta de escravos e sua fiel serviçal na fazenda.

Mas o tempo foi passando, até que numa manhã os vizinhos estranharam a visita inesperada de um tal de Miro(Waldomiro), um rapaz que tinha uma pequena oficina de artesanato para entalhar madeira. Durante uns trinta dias ele foi visto todo dia entrando e saindo daquela casa e como ele nada comentava, acabou dando margens aos boatos mais abjetos, que se alastravam por toda a cidade. Da última vez ele saiu de lá com um enxó e um formão e esclareceu tudo: Miro esculpira na madeira uma estátua que lembrava bem o falecido Lino.

Dizem que durante dois anos aquela infeliz viúva chorava todo dia abraçada àquela tosca imagem.

Católica fervorosa, aos poucos voltou a frequentar a Igreja e as vezes era vista dando um passeio solitário por sua bonita fazenda. Em um desses passeios D. Santinha cruzou com um bonito rapaz novo na região. Os dois se olharam por um instante e foi o que bastou pra Dona Santinha chegar à casa com um sentimento de adultério póstumo. Abraçou o marido de madeira e buscou perdão.

Alguns dias depois o capataz da fazenda avisa:- Dona Santinha, tem um rapaz aí querendo ver uns cavalos que a senhora pretende vender. Para sua surpresa, era o mesmo rapaz que ela vira antes.

Do encantamento recíproco, não tardou o início de um discreto namoro que tempos depois desaguou num anunciado noivado. Toda noite, lá estava ele tomando o clássico café com biscoito frito feito na hora pela zelosa Dona Benta.

UM TEMPORAL: Foram quinze dias chovendo sem parar, até que numa noite a simpática empregada interrompe o idílio da patroa e a chama num canto dizendo que não tinha um pau de lenha seco pra por no fogo. Dona Santinha maldisse a chuva e praguejou os céus. Virando-se para a empregada ordenou:- "RACHE O LINO". Dona Benta ficou pálida e esbugalhou os olhos: - Dona Santinha?!

"É isso mesmo Benta!" E repetiu:- "Rache o Lino". Minutos depois, ouvia-se o som compassado do machado que vinha lá do quintal. Era a D. Benta dissecando o Lino a machadadas e o transformando em lenha. E feliz, o noivo que ignorava a tragédia, aguardava o café fumegante com os saborosos biscoitos que D. Benta não demoraria a anunciar.

MARCIO FELIX