Almoço virtual

De longe a observava, esforçando-me para conter meu espanto. Uma mesa nos separava, mas era o suficiente para notar seus manejos com o aparelho. Era horário do almoço, já tinha terminado meu prato, mas ainda estava lá, observando-a. Analisava a alternância quase orquestrada entre o garfo e o smartphone. Uma garfada e uma conferida, uma garfada, uma conferida, enquanto se dava ao trabalho chato de mastigar. Talvez se pudesse engolir logo...Olhos morimbundos de quem não estava lá. Senti pena. Do arroz, do feijão, da salada bem temperada em seu momento de auge, todos desdenhados por aquela jovem que não respeitava o esforço da cozinheira. A língua, coitada! Dotada de tanta complexidade bioquímica, tantos milênios de evolução, e tão mal aproveitada naquele momento. Não durou muito o espetáculo. Talvez a própria língua e dentes, acordados em um motim, empurrassem a comida despreparada ao estômago sem avisar a garota distraída. E o estômago, pactuando com os outros, talvez a presenteasse mais tarde com uma azia.

Di Ramos
Enviado por Di Ramos em 21/02/2013
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