O casarão da rua Firmino Pires, lugar onde nasci, ficava numa ladeira e resistiu imponente a passagem do tempo. Única casa da rua quando foi demolida, as outras já tinham virado prédios, foi vendida para virar um hospital. Sinto um vazio imenso, uma tristeza na alma e as lembranças que estavam guardadas no fundo da minha memória, vem a tona e percebo que vivi momentos felizes nesse casarão com dois quintais, isso mesmo, dois quintais com vários pés de frutas. Cada um plantado numa data especial para a família, tinha um dono. Um dos pés de manga rosa foi plantado no dia em que meu pai nasceu e ainda existe. No dia do meu batizado uma grande festa agitou as suas dependências e toda a vizinhança foi convidada. Meu avô circulava comigo nos braços e eu usava uma bata feita a mão pelas mulheres rendeiras especialmente para a ocasião. Frescuras de mulher, repetia meu avô.
               Na minha infância as janelas e as portas ficavam abertas, os vizinhos entravam sem bater e as brincadeiras eram na rua. Meus avós sentavam na calçada no final da tarde, enquanto nós brincavamos de pique-esconde,queimada, polícia e bandido e na hora da novelas das oito, que começava realmente às oito, alguns vizinhos vinham assistir, nem todos tinham televisão. Normalmente era servido um cafézinho com beju,cuzcuz,bolo de mandioca e não me lembro de algum dia meu avô reclamar que ninguém ajudava em nada. Ah, tem mais um detalhe: Nenhuma criança ficava na sala na hora da novela.
               E as minhas lembranças continuam: Os almoços e jantares onde cada membro da família tinha sua cadeira (os mais velhos sempre se serviam primeiro), no natal os presentes eram colocados  debaixo das nossas redes enquanto dormiámos e no dia 25 era uma festa. No carnaval minha avó costurava nossas fantasias, todas iguais, e formavamos um bloco familiar.
               No casarão minha imaginação infantil transformava os dois quintais em meu reino. Eu me sentia acolhido, seguro e tinha a certeza de que ali, nada de mal me aconteceria. Eu construia estradas de barro para os meus carrinhos, subia nas árvores, comia as frutas direto do pé e tomava banho no tanque. A noite quando as luzes se apagavam, não tinha abajour, eu fechava os olhos bem forte para que o sono viesse logo.
               Percorro mentalmente cada canto do casarão e tomo a decisão de nunca mais voltar naquela rua. Não sei se aguentaria ver o meu reino ser transformado em um hospital, mas tenho dentro do meu coração um tesouro que nunca vão tirar de mim: As lembranças da minha infância.
               Bons e mágicos tempos!
    
José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 20/02/2013
Reeditado em 28/03/2018
Código do texto: T4150621
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