Da manga rosa eu quero o gosto e o sumo...
(Uma homenagem aos amigos pernambucanos)
O amigo Josué Francisco passa-me pela internet fotos do carnaval do Recife justamente no momento em que arrumo meu gabinete e encontro retratos da época estudantil. Neles alunos da Universidade de Pernambuco que visitavam a Bahia no inverno de 1968. A memória volta no tempo, renascem as lembranças e eu resolvo escrever. Não sem antes me argüir por que este ímpeto de escrever sobre momentos da vida? Encontro apoio em J.I.Vieira de Melo, que definiu esta vontade: "Escrevo para poder continuar vivo, escrevo porque se parar eu deixo de existir, escrevo para decifrar enigma, o meu enigma. Escrevo porque escrevo, escrevo porque tenho fome". Mais incisiva foi Clarice Lispector: "Escrevo porque encontro nisto um prazer que não sei traduzir".
Revejo Recife, Olinda, Josué Francisco paramentado no Galo da Madrugada e as fotos dos amigos pernambucanos, guardadas no fundo da minha gaveta. Onde andam aqueles jovens? Graduaram-se? Casaram? Constituíram família? Desafio minha memória tentando decifrar os mistérios do tempo e os enigmas da vida. Vem a lembrança de como conheci aqueles estudantes. Eu fazia Agronomia e andava frustrado com o ambiente universitário no interior. Achava que não tinha a dinâmica cultural, a inquietude política, nem o charme das faculdades da capital. Por isto, quando possível, eu dava passeios por faculdades que eu considerava mais contemporâneas, como arquitetura, engenharia, filosofia...
E naquele ano de 1968 o professor de Bioquímica, Alino Matta Santana, me passou um trabalho. O tema eram hormônios vegetais. Como era um trabalho de férias, decidi escrever na biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, a imperial escola de medicina, primeira do país, criada por D. João VI. Na saída de uma das minhas sessões de leitura deparo-me com cinco estudantes no Terreiro de Jesus, que interrompem a minha caminhada para perguntar onde ficava a Estação Rodoviária de Salvador. Tempos atrás o baiano se caracterizava pela cordialidade e por saber receber os visitantes. Prontifiquei-me a levar o grupo até a rodoviária, onde compraram passagens de retorno a Recife. Eram dois rapazes e três moças. Gravado na memória está apenas o nome de uma delas, que parecia ter dois ou três anos a mais do que eu, mas foi a que me encheu os olhos. A cortesia do baiano multiplicou-se, o trabalho sobre hormônios vegetais ficou em segundo plano. Meus hormônios é que passaram a falar mais alto.
Os dias seguintes foram dedicados a ciceronear o grupo, com os olhos e a gentileza sutilmente voltados para Rita Pontual. Itapoã, Pelourinho, Farol da Barra, Barravento... Nas fotos, em preto e branco, ainda nítidas, estão registrados o mergulho na Lagoa do Abaeté e os almoços no Galo Vermelho, à época o mais charmoso restaurante de comida baiana da capital. A gente era estudante, mas era ousado. E eu tinha que impressionar os pernambucanos e, particularmente... Rita Pontual.
Recebi fotos, chegaram cartas, mas o tempo se encarregou de dar outra dinâmica à vida. Anos depois, caminhando por Recife, nas proximidades do restaurante universitário, ouço alguém me chamar. Era um dos rapazes, que me reconheceu. Fiquei surpreso, trocamos algumas palavras. Deveria ter sido Rita a me encontrar. Perguntei por ela, mas ele não tinha o contato, tomaram destinos diferentes, fizeram cursos distintos. Estava certo Heráclito: ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, pois na vez seguinte o rio já é outro.
Os mistérios da vida encabulam. Onde estou eu? Onde está você? Tempo, tempo, tempo, tempo...
(Uma homenagem aos amigos pernambucanos)
O amigo Josué Francisco passa-me pela internet fotos do carnaval do Recife justamente no momento em que arrumo meu gabinete e encontro retratos da época estudantil. Neles alunos da Universidade de Pernambuco que visitavam a Bahia no inverno de 1968. A memória volta no tempo, renascem as lembranças e eu resolvo escrever. Não sem antes me argüir por que este ímpeto de escrever sobre momentos da vida? Encontro apoio em J.I.Vieira de Melo, que definiu esta vontade: "Escrevo para poder continuar vivo, escrevo porque se parar eu deixo de existir, escrevo para decifrar enigma, o meu enigma. Escrevo porque escrevo, escrevo porque tenho fome". Mais incisiva foi Clarice Lispector: "Escrevo porque encontro nisto um prazer que não sei traduzir".
Revejo Recife, Olinda, Josué Francisco paramentado no Galo da Madrugada e as fotos dos amigos pernambucanos, guardadas no fundo da minha gaveta. Onde andam aqueles jovens? Graduaram-se? Casaram? Constituíram família? Desafio minha memória tentando decifrar os mistérios do tempo e os enigmas da vida. Vem a lembrança de como conheci aqueles estudantes. Eu fazia Agronomia e andava frustrado com o ambiente universitário no interior. Achava que não tinha a dinâmica cultural, a inquietude política, nem o charme das faculdades da capital. Por isto, quando possível, eu dava passeios por faculdades que eu considerava mais contemporâneas, como arquitetura, engenharia, filosofia...
E naquele ano de 1968 o professor de Bioquímica, Alino Matta Santana, me passou um trabalho. O tema eram hormônios vegetais. Como era um trabalho de férias, decidi escrever na biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, a imperial escola de medicina, primeira do país, criada por D. João VI. Na saída de uma das minhas sessões de leitura deparo-me com cinco estudantes no Terreiro de Jesus, que interrompem a minha caminhada para perguntar onde ficava a Estação Rodoviária de Salvador. Tempos atrás o baiano se caracterizava pela cordialidade e por saber receber os visitantes. Prontifiquei-me a levar o grupo até a rodoviária, onde compraram passagens de retorno a Recife. Eram dois rapazes e três moças. Gravado na memória está apenas o nome de uma delas, que parecia ter dois ou três anos a mais do que eu, mas foi a que me encheu os olhos. A cortesia do baiano multiplicou-se, o trabalho sobre hormônios vegetais ficou em segundo plano. Meus hormônios é que passaram a falar mais alto.
Os dias seguintes foram dedicados a ciceronear o grupo, com os olhos e a gentileza sutilmente voltados para Rita Pontual. Itapoã, Pelourinho, Farol da Barra, Barravento... Nas fotos, em preto e branco, ainda nítidas, estão registrados o mergulho na Lagoa do Abaeté e os almoços no Galo Vermelho, à época o mais charmoso restaurante de comida baiana da capital. A gente era estudante, mas era ousado. E eu tinha que impressionar os pernambucanos e, particularmente... Rita Pontual.
Recebi fotos, chegaram cartas, mas o tempo se encarregou de dar outra dinâmica à vida. Anos depois, caminhando por Recife, nas proximidades do restaurante universitário, ouço alguém me chamar. Era um dos rapazes, que me reconheceu. Fiquei surpreso, trocamos algumas palavras. Deveria ter sido Rita a me encontrar. Perguntei por ela, mas ele não tinha o contato, tomaram destinos diferentes, fizeram cursos distintos. Estava certo Heráclito: ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, pois na vez seguinte o rio já é outro.
Os mistérios da vida encabulam. Onde estou eu? Onde está você? Tempo, tempo, tempo, tempo...