Reminiscências Calungas : o Impuguina
Reminiscências Calungas : o Impuguina
Quando fui morar nos arredores da Pracinha ( Pça Bernardino de Campos), passei por um aculturamento, uma costumização, para me entrosar com aquelas pessoas que conviviam umas com as outras desde pequenos. Cada um sabia das particularidades dos outros que, lógico, mais interessavam e poderiam ser motivos de comentários e gozações, tais como : quem tinha irmã gostosa, o pinto pequeno, quem apanhava mais dos pais, os mais burros, os pernas de pau, etc. Qualquer detalhe era um bom motivo de gozações intermináveis. Muitas vezes acabavam em bate boca, troca de insultos e, até, troca de tapas e socos. Dia seguinte, ficava tudo bem, sem ressentimento. Tomar contato com aquela galera imensa, efervescente, foi uma sensação muito boa. Senti que era a oportunidade de fazer grandes amigos, das mais diversas idades e personalidades, uma rara amostragem de gente de todos os tipos. Evidente que essa análise faço hoje. Na época, esse contato me entusiasmou sem que eu soubesse o porque. Minha família mudou para a rua Marques de São Vicente. Conheci o Cadão (Ricardo, que Deus o tenha) que era meu vizinho. Na frente morava uma família imensa de nordestinos: Zé Guardinha, seu irmão Luís e sua irmã Elvira, eram filhos de Maria, irmã do tio Vicente, que dirigia uma camionete verde escuro com escadas nas laterais da CTB ( Cia. Telefônica Brasileira) e era juntado com Severina. Tinha também o Luís motorista de táxi e seu irmão. A matriarca era dona Zefa, que passava o dia fazendo renda de bilros e pitava um cachimbinho de barro todo o tempo. Ao lado ficava a barbearia do Benézio (Ebenezer). Nós só entrávamos lá para cortar o cabelo e sair rapidamente daquele lugar. Ali se reuniam pessoas mais velhas e eram da “pesada” : havia rumores que fumavam maconha!!! Vi muitas vezes naquele lugar umas figuras sinistras: Jaime Louco, Arnaldo Bonacha, Haroldinho, e outros. Eram todos bem mais velhos, já adultos.
Fui me enturmando e, em pouco tempo, era mais um do grupo. À noite, uma galera ficava na praça João Pessoa, em frente à igreja matriz de São Vicente, onde saiam os mais variados assuntos. Quem passava por ali podia ver aquele bando de moleques conversando, discutindo futebol principalmente, fazendo brincadeiras, cada qual defendendo seu time. Ás vezes, saía uma conversa mais séria sobre os mais diversos assuntos: o universo, o sol, Deus, política, enfim, temas que os participantes não entendiam porra nenhuma. Havia uma brincadeira chamada “Impuguina” ( o certo seria impugnar, questionar), onde cada um dos participantes falava uma letra de modo que ia se formando uma palavra. O último a colocar uma letra que formasse uma palavra completa com sentido e com mais de quatro letras, era penalizado com croques na cabeça ou uma saravaida de tapas, conforme combinado antes. Saía cada besteira! Era muito gozado. Inventava-se palavras, só para se livrar da punição. Me lembro de mataguel, acho que foi Marquito que inventou. Quando a dúvida sobre a formação de uma palavra era grande, perguntava-se a um passante e, normalmente, a resposta só aumentava a incerteza (“por favor, nascer se escreve com sc ou só com c?”; resposta: “nascer é com dois esses!”). Era muito divertido. Normalmente essa brincadeira penalizava os que iam mal na escola. E a porrada comia solta na hora de penalizar a burrice. Esse comportamento deveria ser adotado em todos os cargos políticos do Brasil.