O MOMENTO REVELADOR

O Momento Revelador. (O Orador)

Tudo que ele mais queria era estar em seu quarto vendo um filme do Tarantino, porém, sentia que tinha uma responsabilidade muito grande e que a cada dia tudo poderia se tornar pior, muito pior. Sabia principalmente, sobre a verdade existente nos rostos de cada um ali presente, o mais puro medo de ser o primeiro a seguir diante sem se deixar mostrar seu verdadeiro ser, o de que todos são iguais. Assim como uma criança que não quer ser adulto, pois tem medo de perder sua alegria e sua liberdade de expressão, também sentia o medo de perder seu escudo, no qual sempre esteve acomodado. Seria assim que ele revelaria todo o seu potencial sem ganhar nada, nem a popularidade a qual todos buscam e ainda ficar sem sua proteção, valeria realmente todo esse esforço?

Não tinha mais tempo, o momento chegara sem nenhuma possibilidade de revogar seu direito a uma nova escolha, a de ficar junto a seus companheiros, igualmente calados e entalados com os seus enfadonhos rostos amedrontados. Seria rápido e indolor aparentemente o oposto do que covardemente imaginava. E assim se prontificou a ficar o menos exposto possível, em pé diante de todos, mas com sua face ao chão e os olhos inquietos como que procurasse um alvo distante e deslocado, sentiu sua mão gelar e o corpo fugir ao convencional, afinal o que sentia naquele momento era algo completamente assustador e queria terminar logo essa situação desagradável e humilhante.

Todos o miravam em silencio, e ele notava no olhar de alguns que o alivio era obvio por não estarem em seu lugar, mas que davam o total apoio a sua coragem e total disposição. O ar em volta parecia gelar, ou mesmo faltar. Não se ouvia nem o barulhinho insistente dos grilos que sempre incomodavam nas outras aulas. Seria uma sala de aula aquele local? Pois mais parecia com um esconderijo mais do que secreto, para tanto silencio. Todos fixamente o olhavam e esperavam, mas parecia que ele nunca ia dizer uma única palavra, afinal o tempo tinha parado, nada se movia, nem mesmo as pestanas que sempre piscam involuntariamente, nem mesmo o coração que é a maquina responsável pelo funcionamento do nosso corpo. É nessas horas que percebemos o quanto somos ligados ao tempo e a forma como ele nos rege, assim como agora estamos observando todos os seu efeitos no nosso orador. Poderia assim ficar noutra realidade alternativa, viajar para o passado em suas lembranças mais calorosas, como a do momento em que ficou com uma mulher pela primeira vez; uma noite quente cheia de encantos e suores surpreendentes que jamais imaginara sentir, com tanto ardor e frívolos beijos que poderia lembrar apenas de sua intensidade, e da forma como se livrou daquela criaturinha descartável e sem um mínimo de valor próprio. Ou ir ao futuro na mais pura idealização onírica de seus desejos e por lá usufruiria seus dotes especiais como ser um ricaço dono de uma multe nacional, com direito a ter as mulheres mais profissionais e nunca ter que repetir o prato. E assim esquecer de todo o presente, maldito por sua constante existência em que não é passado e nem futuro e que, no entanto a cada segundo se torna passado e sem solução, mas esquecer, só não bastaria, ele continuaria ali diante de todos.

Lembrar como uma águia levanta vou de uma área plana com seu corpo pesado e com o peso adicional de seu alimento, seria uma lembrança triste; afinal ele não é e nunca será uma águia que por um instinto natural já veio ao mundo dotada de tal destreza, algo que sentenciava da mais pura verdade de que o dom de orar não vinha num pacote promocional assim como a capacidade de andar e de falar que são dominados com o passar dos anos. Nunca tinha praticado o ato de falar em publico e de certa forma desconhecia essa vontade que o guiava e dava forças neste momento em que se preparava para pronunciar a primeira silaba que veio naturalmente, e que mais fluente veio às outras e depois as palavras seguintes. Sim, ele tinha o dom incluído no seu pacote promocional, e todos estavam vendo como alguém mesmo que sempre estando ali calado, pode surpreender da maneira mais fora do normal possível. E naquela noite todos aplaudiram de pé o surpreendente orador.

Evandro Sal

modificado em 16-03-07