A LENDA DO ESCORPIÃO E DO ASNO
Num país distante havia um homem jovem que andava com os bolsos cheios de esperanças, guardava boas lembranças, enxugava lágrimas de alegria, andava na velocidade do vento, aquecia seu coração com amor,cultivava sonhos e criava asnos, aos quais dedicava especial cuidado, enquanto um escorpião escondia-se atrás de uma velha cortina de veludo. Ele acreditava numa antiga lenda que dizia que todos os animais poderiam ser tratados e educados como os seres humanos e com isso adquiriam alguns sentimentos entre eles o respeito, a obediência e a consideração. O respeito, como forma e ação de cortesia e não de temor; a obediência como ação e disposição a obedecer a princípios, normas e leis e não a submissão da vontade; e a consideração como deferência, estima e importância que se dá livremente a alguém.
Depois um longo tempo, de anos de dedicação, os asnos, apesar de bem tratados continuavam grosseiros, estúpidos, teimosos e muito ignorantes. Não respeitavam nem obedeciam e nem tinham a menor consideração pelo homem que ainda assim os tratava com a mesma dedicação e igualmente como a todos os outros animais.
Outros criadores o aconselhavam a desistir dos asnos. Diziam: esqueça esses asnos. Eles jamais entenderão sua dedicação, pois são incapazes de perceber; é da natureza deles. São como escorpiões que cravam o aguilhão curvo e venenoso em suas vítimas, sem exceção, porque é da natureza deles.
Mas o homem não desistia de sua dedicação aos asnos na crença de que podia fazê-los, por extinto que fosse, pelo menos, entender sua dedicação, seu interesse em bem tratá-los, tanto quanto acreditava que não seria jamais golpeado pelo aguilhão curvo e venenoso do escorpião que se escondia atrás de uma velha cortina de veludo.
Muitos e muitos anos se passaram enquanto o homem, determinado, persistia até finalmente compreender seu erro: não se altera o que constitui um ser inteligente, caráter, feitio moral, temperamento simplesmente pela razão pura se ele não quiser, quanto menos os asnos; não se altera a essência e a condição própria de um ser ou mesmo de uma coisa; não se altera a natureza de asnos e de escorpiões.
Então, desiludido, depois de ser ferido pelo aguilhão curvo e venenoso do escorpião escondido atrás da velha cortina de veludo e de ser escoiceado pelas patas dos asnos, buscou aspirações guardadas, encontrou antigas esperanças enlatadas, encaixotou as boas lembranças, sonhou outros sonhos, bebeu a mais pura água, colecionou livros, e escreveu milhões de palavras.
Hoje, não anda mais na velocidade do vento. Anda com os passos pesados e mais lentos, que o tempo lhe impôs, mas tem à mão tudo o que precisa. E, todos os dias reconquistados, come felicidade às colheradas.