Enquando o ônibus não chega...
Era exatamente 18h45, horário de pico no Terminal Capão Redondo. As filas enormes, duplicavam-se à medida que o ônibus não chegava. Procurei por um lugar ao sol ou melhor à fila e fiquei otimista ao me ver à 200 metros longe do ponto, tendo apenas 40 pessoas na frente. Mal me acomodei junto a classe proletariada e tive a atenção voltada para uma senhora que estava na fila paralela a minha. Vestida com um short preto com detalhes em “risca de giz” e uma blusa regata, também preta, a mulher de 1,50m, consideravelmente gordinha, corria freneticamente parada no mesmo lugar. Fiquei encabulada. Por mais que tentasse desviar o olhar, não tinha jeito. Toda hora virava a cabeça aos pouquinhos, meio como quem não quer nada, dava uma olhadinha básica e lá estava ela!
A princípio achei que fosse algum tipo de protesto, devido a demora do ônibus. Depois achei que fosse promessa à algum santo; alguma penitência porque é época de quaresma, sei lá... Uma forma alternativa de fazer jejum, talvez?
O fato é que, passados 10 minutos desde que eu tinha chegado no terminal, ela continua a correr e apresentava sinais nítidos de cansaço. Não satisfeita em correr parada no mesmo lugar, começou também a levantar os braços pra cima e para baixo, e acredite se quiser, a rebolar também. A essa altura todos já estavam olhando e fazendo comentários à respeito. Foi quando escutei, por acaso, alguém falar que o nome dela era Cinira. Segundo informações obtidas pelo telefone sem fio do terminal, ela fazia o “ritual do remelexo” todo dia para se livrar da maldita culpa de comer muito chocolate.
Se é verdade, não sei. Agora, uma coisa é certa: ela estava cheia de sacolas com guloseimas ao seu redor. Entre elas, váááários ovos de páscoa. Ao ver aquilo, logo pensei: Vai ver que é para presentear os sobrinhos, filhos ou quem sabe fazer alguma doação para instituição de caridade. Dentre tantas dúvidas permeando minha mente, achei melhor deixar de lado meus conflitos fôfoco-emocionais, e me limitei apenas a analisar sistematicamente as embalagens variadas e coloridas, que escapavam teimosamente para fora das sacolas. Impressionante! Contei aproximadamente 20 ovinhos de 250 gramas, mais quatro caixas de bombons sortidos, o que significa que se multiplicarmos a quantidade de ovos pelo grama teremos exatamente 5 ovos de Páscoa de 1 kilo, descaradamente disfarçados de boas intenções. Que danadinha, hein Cinira! Tem que correr mesmo!
A irmã de Cici (apelido improvisado por mim) estava sentada em um local reservado para mulheres com crianças de colo, e obviamente acompanhada de seu filho de 6 anos. Um tanto sem graça com a performance de sua irmã, tentou disfarçar o constrangimento falando a seu pimpolho:
- Filho, vai ali se distrair, fazendo ginástica com a sua titia – A pobre mulher não
sabia onde esconder a cara. E mesmo sob o olhar atento do povo tentou agir com naturalidade, respondendo para uma senhora que olhava para ela:
- O doutor falou pra família toda fazer exercícios também – explicou.
Depois de longos 30 minutos esperando o bus, finalmente ele chega. A correria é geral. Todos querem ir pra casa após um dia exaustivo de trabalho. Menos Cinira - que pela disposição física e fôlego ficaria ali a noite toda correndo. Dentro do ônibus ainda pude observar alguns exercícios de ginástica localizada. Um deles, inclusive, me pareceu muito eficiente. Quando chegar em casa irei praticar.
Realmente, Cinira criou polêmica. Antes ir embora, o motorista enrolou um pouquinho para observar o desempenhou da irreverente desportista. Ela já estava vermelha feito uma pimenta e o suor começava a escorrer. Uma moça aproveitou o momento da muvuca para comentar com a outra:
- Todo dia eu vejo essa senhora correndo aqui. Dizem que ela já perdeu 30 kilos em 2 meses.
- Nossa é mesmo? Respondeu a outra toda interessada na conversa – Acho que
vou começar a correr enquanto o ônibus não chega também.
Bastou esse comentário para que o assunto durasse a viagem inteira. Cada passageiro, à sua maneira, fazia um comentário; colaborava com alguma experiência pessoal, citava amigos que haviam feito cirurgia de redução do estômago, enfim... um papo super-zen para distrair o povão, enquanto o ônibus fazia seu percurso e cortava a periferia da Grande São Paulo.
E quanto a Cinira? Só Deus sabe porque essa mulher corre tanto. Minha conclusão é que ficou esclerosada com a rotina, com a loucura da cidade, com a pressa das pessoas e, principalmente, com o descaso dos nossos governantes que não estão nem aí para o pobre do trabalhador.