ÁLBUM DE FIGURINHAS
O tamanho dos envelopes podia ser pequeno, pouco maior que uma modesta caixa de fósforos, mas, dentro, embalavam expectativas de sonhos em grande escala infantil.
Acabara a temporada das figurinhas enroladas em balinhas; vivíamos agora a era dos pequenos envelopes recheados com cinco figurinhas dos jogadores do campeonato paulista de futebol. Findava a década de 50.
Fui encontrar o Dino na porta do bar Caçula fulo com o resultado da apuração: “Tudo repetido!” esbravejava, “Tudo repetido!” Todo o esforço com a caixa de engraxar e o produto das garrafas vendidas foi infrutífero; se a carimbada da lambreta, jóia da coroa da premiação não saíra, paciência, mas a frustração por não ter saído sequer uma dos demais prêmios deixou-o severamente aborrecido.
--- Nenhuma carimbada?
--- Duas patas*.
--- Dos prêmios?
--- Não... Uma do Santos, outra do Juventus.
--- Preciso daquela do centro da bola.
--- É a mais difícil das três... mais saí... tem alguma pra trocar?
--- Tenho uma porrada aqui... Palmeiras, Prudentina, Botafogo, separei-as por time --- mostrei-lhe o pacote.
--- Tem o Gilmar do Corinthians?
--- O Gilmar é difícil, moço!
--- E nem é carimbado.
--- Mesmo assim... Tem alguma página melada**?
--- Também estou pela bola... a mesma sua, e da miserenta do guidom da bicicleta! Finalizou com a voz irada pelos constantes insucessos para obtê-las.
--- Saiu na Vila Operária, alguém ganhou por lá. Tentei animá-lo.
--- Milagre... vai comprar?
--- Vou!
Ali mesmo, no bar, deixei minhas parcas economias. Recontei os trinta envelopes sob o olhar atento do Dino.
--- Posso abrir alguns?
Não acedi. Os pequenos envelopes retangulares foram impressos em papel liso e fosco, cujas estampas mostravam jogadores em diversos movimentos.
Comecei por abrir cada pacotinho com o cuidado de existir dentro iminente perigo oculto; aberto um dos lados esfregava o monte delas meticulosamente em busca do valoroso carimbo; não o encontrando metia apressado as figurinhas no bolso, desinteressado. De antemão sabia-as repetidas.
Rondava a vigésima tentativa; saíra apenas vulgar carimbada, por sinal também repetida. Saquei do bolso um novo envelope; sacudi-o, assim como fizera com os demais, no intuito de alojar o conteúdo no fundo. Ainda sob a tensão inicial prossegui no ritual de abrir um dos lados e vir esfregando-as levemente, uma a uma, na ânsia de deparar e ferir entre os dedos o fio mortal de minha vida. E algo realmente apareceu. A princípio um pequeno borrão denunciou a carimbada que, desde então exporia mais intensamente minha emoção. Seria a jóia da coroa, a difícil da lambreta? Ou estaria ali o guidom da bicicleta? Ou ainda, na pior das hipóteses, o centro da bola que nos faltava? Os dedos tensos apertavam o envelope ante esse lapso de fértil imaginação, afrouxando à medida que o batimento forte do coração acelerava, e o rútilo do olhar concentrava nos cromos. Senti a pressão do amigo se ajeitando por sobre meus braços a fim de melhor observar.
E ela veio descortinando aos meus olhos, bela como um sol da manhã!
Os gomos cortados em pares ao meio do carimbo festejado, era a carimbada do centro da bola! Eu havia conseguido preencher a página e ganhar o prêmio, a própria bola! Pulamos os dois de alegria, afinal não raro estávamos às voltas procurando incomum agulha para remendar o velho capotão desgastado?
Corremos pra casa. Ambos de braços abertos serpenteando aos gritos.
--- Que alegria é essa, meninos?... O Guilherme esteve aqui.
--- E a sra...
--- Falei que você estava na porrinha***
Era o dia inteiro por conta das inseparáveis e adoráveis figurinhas.
· * patas, denominavam as figurinhas que saíam frequentemente.
· ** meladas, denominavam as páginas as quais faltavam apenas uma figurinha.
· *** porrinha, jogo também chamado de bafo, consistia em desvirar figurinhas previamente
· Viradas com o movimento rápido da mão em concha.
Acabara a temporada das figurinhas enroladas em balinhas; vivíamos agora a era dos pequenos envelopes recheados com cinco figurinhas dos jogadores do campeonato paulista de futebol. Findava a década de 50.
Fui encontrar o Dino na porta do bar Caçula fulo com o resultado da apuração: “Tudo repetido!” esbravejava, “Tudo repetido!” Todo o esforço com a caixa de engraxar e o produto das garrafas vendidas foi infrutífero; se a carimbada da lambreta, jóia da coroa da premiação não saíra, paciência, mas a frustração por não ter saído sequer uma dos demais prêmios deixou-o severamente aborrecido.
--- Nenhuma carimbada?
--- Duas patas*.
--- Dos prêmios?
--- Não... Uma do Santos, outra do Juventus.
--- Preciso daquela do centro da bola.
--- É a mais difícil das três... mais saí... tem alguma pra trocar?
--- Tenho uma porrada aqui... Palmeiras, Prudentina, Botafogo, separei-as por time --- mostrei-lhe o pacote.
--- Tem o Gilmar do Corinthians?
--- O Gilmar é difícil, moço!
--- E nem é carimbado.
--- Mesmo assim... Tem alguma página melada**?
--- Também estou pela bola... a mesma sua, e da miserenta do guidom da bicicleta! Finalizou com a voz irada pelos constantes insucessos para obtê-las.
--- Saiu na Vila Operária, alguém ganhou por lá. Tentei animá-lo.
--- Milagre... vai comprar?
--- Vou!
Ali mesmo, no bar, deixei minhas parcas economias. Recontei os trinta envelopes sob o olhar atento do Dino.
--- Posso abrir alguns?
Não acedi. Os pequenos envelopes retangulares foram impressos em papel liso e fosco, cujas estampas mostravam jogadores em diversos movimentos.
Comecei por abrir cada pacotinho com o cuidado de existir dentro iminente perigo oculto; aberto um dos lados esfregava o monte delas meticulosamente em busca do valoroso carimbo; não o encontrando metia apressado as figurinhas no bolso, desinteressado. De antemão sabia-as repetidas.
Rondava a vigésima tentativa; saíra apenas vulgar carimbada, por sinal também repetida. Saquei do bolso um novo envelope; sacudi-o, assim como fizera com os demais, no intuito de alojar o conteúdo no fundo. Ainda sob a tensão inicial prossegui no ritual de abrir um dos lados e vir esfregando-as levemente, uma a uma, na ânsia de deparar e ferir entre os dedos o fio mortal de minha vida. E algo realmente apareceu. A princípio um pequeno borrão denunciou a carimbada que, desde então exporia mais intensamente minha emoção. Seria a jóia da coroa, a difícil da lambreta? Ou estaria ali o guidom da bicicleta? Ou ainda, na pior das hipóteses, o centro da bola que nos faltava? Os dedos tensos apertavam o envelope ante esse lapso de fértil imaginação, afrouxando à medida que o batimento forte do coração acelerava, e o rútilo do olhar concentrava nos cromos. Senti a pressão do amigo se ajeitando por sobre meus braços a fim de melhor observar.
E ela veio descortinando aos meus olhos, bela como um sol da manhã!
Os gomos cortados em pares ao meio do carimbo festejado, era a carimbada do centro da bola! Eu havia conseguido preencher a página e ganhar o prêmio, a própria bola! Pulamos os dois de alegria, afinal não raro estávamos às voltas procurando incomum agulha para remendar o velho capotão desgastado?
Corremos pra casa. Ambos de braços abertos serpenteando aos gritos.
--- Que alegria é essa, meninos?... O Guilherme esteve aqui.
--- E a sra...
--- Falei que você estava na porrinha***
Era o dia inteiro por conta das inseparáveis e adoráveis figurinhas.
· * patas, denominavam as figurinhas que saíam frequentemente.
· ** meladas, denominavam as páginas as quais faltavam apenas uma figurinha.
· *** porrinha, jogo também chamado de bafo, consistia em desvirar figurinhas previamente
· Viradas com o movimento rápido da mão em concha.